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DEBATES JURISPRUDENCIAL
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 23, p. 17-46, 2º sem. 2015
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rais leves praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,
a estabelecer que a renúncia à representação somente poderia se dar pe-
rante o juiz, em audiência especialmente designada para tal fim e ouvido o
Ministério Público (artigo 16). A interpretação dada pelo Supremo Tribunal
Federal a tal já originariamente discriminatória regra, pura e simplesmente
afastando a exigência da representação para assim tornar incondicionada
a iniciativa do Ministério Público no exercício da ação penal
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, ainda exacer-
bou esse paradoxo, indevidamente retirando da mulher qualquer possibi-
lidade de protagonismo no processo, reservando-lhe uma posição passiva
e vitimizante; inferiorizando-a; considerando-a incapaz de tomar decisões
por si própria; colocando-a em situação de desigualdade com todos os de-
mais ofendidos a quem é garantido o poder de vontade em relação à ins-
tauração do processo penal
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.
A pretendida aplicação das regras da Lei 11.340/2006 a todos os casos
em que mulher figure como apontada vítima de agressão por parte de ho-
mem com quem se relacione afetivamente, ainda que, como no caso exa-
minado no comentado acórdão, se trate de mulher notoriamente longe
de ser “oprimida ou subjugada aos caprichos do homem”, longe de estar
em “situação de vulnerabilidade”, além de se desviar do sentido daquele
diploma legal; além de, repita-se, violar o princípio da isonomia, por invo-
car tratamento desigual na ausência de situação de desigualdade, acabaria
também por paradoxalmente reafirmar a própria ideologia patriarcal que
o legislador quis enfrentar.
Com efeito, a argumentação que atacou o acórdão ora comentado
e que acabou por triunfar no Superior Tribunal de Justiça
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é mais um elo-
quente exemplo de sobrevivência dos resquícios dessa ideologia patriar-
cal para cuja superação teria sido editada a Lei 11.340/2006. Chegou-se a
afirmar ali que a hipossuficiência e vulnerabilidade da mulher nas relações
afetivas seriam presumidas, sendo ínsitas à sua condição de mulher!
2 Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424; decisão em 09/02/2012.
3 Nesse ponto, reporto-me a texto meu mais recente “Os paradoxais desejos punitivos de ativistas e movimen-
tos feministas”
, in
Justificando
: 13/03/2015.
http://justificando.com/2015/03/13/os-paradoxais-desejos-punitivos--de-ativistas-e-movimentos-feministas/.
4 Recurso Especial nº 1.416.580/ RJ, julgamento em 01/04/2014.