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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



“Historicamente, o Brasil é terra indígena. Cada pedaço desse país é território indígena”, diz ativista em evento da EMERJ sobre o Marco Temporal


“Historicamente, o Brasil é terra indígena. Cada pedaço desse país é território indígena”, diz ativista em evento da EMERJ sobre o Marco Temporal
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“É uma honra para a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro [EMERJ] ter conosco, hoje, um grupo de professores e lideranças da importante questão nacional que o Supremo Tribunal Federal tem atualmente em suas mãos, que é a delimitação do marco temporal para a demarcação da terra dos indígenas brasileiros”, destacou a diretora-geral da EMERJ, desembargadora Cristina Tereza Gaulia, doutora em Direito pela Universidade Veiga de Almeida, na abertura do evento da última segunda-feira, dia 4.


Promovido pelo Fórum Permanente de Direito e Relações Raciais da EMERJ, em conjunto com o Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas e Acesso à Justiça (NUPEPAJ) - presidido pela desembargadora Cristina Tereza Gaulia -, ambos da Escola, o webinar O Marco Temporal e a Questão das Terras Indígenas foi transmitido via plataformas Zoom e YouTube, com tradução simultânea para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).


Ainda na abertura do encontro, estiveram presentes o presidente do Fórum, juiz André Nicolitt, doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, e a promotora de Justiça Lívia Sant’anna Vaz, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, que foi a mediadora do encontro. O magistrado disse: “O tema de hoje efetivamente está na ordem do dia e na ordem de importância histórica, algo fundamental. Poder ouvir as lideranças indígenas, pessoas que estão diretamente ligadas ao marco temporal, será algo que enriquecerá o nosso debate”.


O procurador da República Júlio José Araújo Júnior, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro destacou: “Os povos indígenas estão fortalecidos, cada vez mais reivindicando e afirmando seus direitos, um processo que cada vez mais se aprofunda. Hoje, há uma luta grande, mas ainda temos muito a conquistar”.


Demarcação de terras


O encontro contou com palestras do juiz do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) Erick Cavalcanti Linhares Lima, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília; do procurador da República Júlio José Araújo Júnior, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; do professor Daniel Sarmento, doutor em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; do professor Jorge da Silva Gomes, que é indígena, advogado especialista em Direito Constitucional e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ); da Ana Patté, indígena do povo Xokleng de Santa Catarina, defensora ambiental e dos povos indígenas e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); e do Juscelino Tabajara, indígena do povo Tabajara do litoral sul da Paraíba, agricultor, artesão e ativista.


Constituição


A Constituição Federal de 1988 assegura os direitos da população indígena. Nela está expresso que: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (artigo 231 C.F.). Em sua fala, o juiz Erick Cavalcanti, do TJRR, pontuou: “A demarcação tem que ser feita de acordo com o desenho da nossa Constituição, e lá, por sua vez, não há um marco temporal para isso. Temos um sério problema de invisibilidade dos povos indígenas”.


Ainda sobre a Constituição Federal, o professor Sarmento afirmou que a pauta do Marco Temporal não deveria estar sendo discutida.


“É uma discussão que não deveria existir. O fato de ela estar sendo debatida e estar sendo travada com essa intensidade, inclusive com manifestações e movimentações intensas, revela um pouco do nosso anacronismo, da persistência de uma visão colonial no Brasil, além da capacidade de deturpar a leitura da Constituição”, disse.


A defensora ambiental Ana Patté, indígena, desabafou. Ela alertou para o problema que seu povo encontraria com a falta da demarcação das terras, chamando atenção até para um risco de vida.


“A demarcação das terras indígenas tem sido um tema que alertamos ser algo muito importante para todos os nossos povos, pois sem essa demarcação, não conseguimos ter saúde, educação, segurança, alimentação e é o que vem acontecendo nos últimos anos. A falta de demarcação tem trazido um genocídio para os povos indígenas. Durante a pandemia, houve um grande problema com a falta de atendimento e a dificuldade de acesso à saúde dos nossos povos”, disse a palestrante.


“Historicamente, o Brasil é terra indígena. Cada pedaço desse país é território indígena; é dos nossos ancestrais, onde eles viviam livres. A demarcação da terra indígena vem justamente para que nós possamos multiplicar dentro do nosso povo o nosso saber, a nossa cultura, levá-la para futuras gerações, algo de extrema importância para a preservação do povo. A demarcação da terra indígena se configura como uma sustentabilidade para o planeta, pois os espaços ainda possuem matas, essenciais para que ainda haja água de qualidade, vida, algo possível com as árvores que ainda têm nos locais”, afirmou o ativista e artesão Juscelino Tabajara.


Marco Temporal


A tese do Marco Temporal defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição Federal. De um lado, a bancada ruralista e instituições ligadas à agropecuária defendem o Marco. Do outro, povos indígenas temem perder direito a áreas em processo de demarcação. Os indígenas defendem que têm direito originário à terra por estarem aqui antes da criação do Estado brasileiro.


Sobre o assunto, o professor e advogado Jorge da Silva Gomes, indígena, afirmou que está sendo feita uma interpretação errada e, em suas palavras, injusta da Constituição.


“A tese do Marco Temporal para nós é um absurdo, uma aberração jurídica, inventada por operadores do Direto ligados a bancada ruralista do agronegócio, que por meio dessa tese tenta inviabilizar a conclusão da demarcação dos nossos territórios. É uma interpretação forçada da Constituição. Quantos de nós, indígenas, no nordeste brasileiro, fomos expulsos de nossos territórios? Interpretar a Constituição da forma como estão fazendo é uma injustiça em relação aos indígenas”, disse. Para assistir à transmissão completa, acesse: https://www.youtube.com/watch?v=y63X7WRN4UI



05 de Outubro de 2021


Departamento de Comunicação Institucional (DECOM)