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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro



“A câmera do celular é uma ‘arma’, e é incrível como ela se tornou um instrumento de vingança”, diz palestrante no evento “Pornografia de vingança”


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O ato de distribuir imagens íntimas e sensuais de outra pessoa na internet por raiva, fúria e sede de vingança tem nome: “Pornografia de vingança”. Esse foi o tema da 70ª reunião do Fórum Permanente de Violência Doméstica Familiar e de Gênero, presidido pela juíza titular da I Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, Adriana Ramos de Mello.

O crime de pornografia de vingança - divulgação de cenas de sexo contra a vontade - foi tipificado no Código Penal pela Lei de nº 13.718/2018, em seu artigo 18-C, com pena de reclusão de um a cinco anos, podendo ser acrescida de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou tenha como objetivo vingança ou humilhação.

“Este encontro nos traz uma reflexão sobre o uso da tecnologia. Eu estou recebendo inúmeros casos na Vara de Violência Doméstica, da qual eu sou titular. A maioria dos casos é de mulheres com sua saúde mental abalada. A câmera do celular é uma ‘arma’, e é incrível como ela se tornou um instrumento de vingança”, alertou a juíza Adriana, ao realizar a abertura do evento.

O diretor-geral da EMERJ, desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, ressaltou que a sociedade precisa se despatriarcalizar: “Nós não conseguiremos mudar fazendo as mesmas coisas de sempre; nós precisamos mudar a trajetória; precisamos permitir que as mulheres tenham os mesmos acessos que nós, homens, temos; e, para mim, é importante fazermos de uma forma consistente, não somente pontual, aqui na Escola da Magistratura”.

A juíza do TJRJ Renata de Lima Machado Rocha, mestre em Direitos Humanos e Saúde Pública pela FIOCRUZ/EMERJ, abordou o aspecto sociológico do crime, o patriarcado presente em nossa sociedade e o motivo pelo qual a pornografia de vingança é uma questão de gênero.

“O crime atinge mais as mulheres, e uma pena mais substancial acabaria por coibir essas práticas, que têm consequências gravíssimas, que vão desde a humilhação ao suicídio. A culpa da vítima geralmente é exacerbada, sua conduta sexual é questionada, enquanto a postura do infrator é minorizada”, relatou Renata de Lima.

Sobre os danos causados à vítima, a juíza ponderou: “A mulher sofre todo tipo de discriminação, não só ela como os familiares que são indiretamente atingidos pelo crime. Ocorre muitas vezes danos materiais quando a imagem da vítima é importante ao seu trabalho. Também temos os danos morais, e agora a figura do dano existencial, que estudiosos têm trazido, o qual decorre do fato de o fenômeno provocar completa mudança na vida da pessoa, gerando a necessidade de a vítima mudar de residência e de aparência para não ser reconhecida, principalmente quando o fato ocorre em cidades pequenas. Elas precisam mudar toda a sua estrutura e perdem seus projetos de vida por conta do ocorrido”.

Para a promotora de Justiça Roberta Dias Laplace, a conjuntura social do crime tem a ver com vítimas mulheres: “ A experiência me mostra que o crime ocorre mais nas relações heteroafetivas. Na comunidade machista em que vivemos, a vítima tem suas imagens íntimas divulgadas, sofre com o comportamento de linchamento virtual e terceiros lhe atribuem características de uma mulher que não é ‘direita’”.

Segundo a delegada Ana Lúcia Barros, antes da inovação legislativa, o enquadramento era feito como difamação ou injúria e, de acordo com ela, o autor poderia sair impune ou com uma pena muito branda para o tipo de consequência que esse crime pode trazer para a mulher e seu núcleo familiar.

“O autor, em regra, é uma pessoa conhecida e que não faz questão de se esconder. Então nós não temos problemas de ir atrás de quebra de sigilo para descobrir quem publicou, pois geralmente é o ex-companheiro ou ex-namorado”, disse Ana Lúcia.

A delegada instruiu quem está sendo vítima do crime: “Nós recomendamos que a pessoa dê um print na conversa e leve impresso para comprovar a materialidade. Quando publicado em algum site, a vítima deverá fazer o print enquadrando também o endereço completo da página para chegarmos até o IP - número que identifica um dispositivo de rede ou internet - e tentarmos chegar ao autor do crime”.

Também participou da mesa de abertura a juíza Katerine Jatahy Kitsos Nygaard, vice-presidente do Fórum Permanente de Violência Doméstica Familiar e de Gênero.


19 de junho de 2019

Fonte: Assessoria de Comunicação Institucional da EMERJ