

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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Deve-se prestar atenção, igualmente, às inversões ao princípio da
presunção de inocência encontradas tanto na esfera doutrinária como
especialmente jurisprudencial. Em um primeiro plano, tais inversões en-
contram sustentáculo na fascista dicção do art. 156,
caput
, do CPP, que
impulsiona posturas de que o acusado deverá “provar” aquilo que alega,
ou ainda, de que o acusado não conseguiu se “desvencilhar dos fatos por
ele suscitados”, etc. Sem prejuízo dessa importante conexão entre as pre-
sunções em matéria penal (que se deveriam resumir à de inocência) e a
operatividade do sistema punitivo, ingressa aqui novamente a teoria da
decisão penal, já comentada alhures.
In dubio pro societate
, presunção de
regularidade dos atos administrativos (inquérito policial), inexistência de
demonstração inequívoca da atipicidade em habeas corpus para tranca-
mento do processo por falta de justa causa são alguns exemplos de subs-
tanciais inversões do princípio da presunção de inocência.
Como já explicado em outro trabalho
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, a investigação preliminar,
no Brasil, deveria se limitar à sua tarefa primordial de filtragem de acu-
sações infundadas. Todavia, a investigação preliminar se transformou em
instrumento de arrecadação de prova, tanto que o art. 155 do CPP autori-
za a sua utilização como elemento de formação de convicção. A problemá-
tica aqui implica bemmais do que a inadmissibilidade do inquérito policial
no processo e sua utilização na decisão. Trata-se também de subtrair o
inquérito policial de uma soberania administrativa, permitindo-se que o
suspeito possa efetivamente ser sujeito de direitos e não meramente um
objeto de prova. Igualmente, a atribuição inicial do status que recai sobre
o suspeito é uma modificação que não pode ser negligenciada, a fim de
tornar o inquérito policial mais fiel às normas constitucionais.
Encontra-se, no Brasil, um processo de ressignificação das práticas
autoritárias brasileiras, cuja legitimação não mais remonta, com exclusi-
vidade, ao Código de Processo Penal vigente. A Constituição da República
passa a desempenhar, na lógica autoritária, uma espécie de fonte simbó-
lica da qual emanam determinadas consequências, que, além de ampliar
o leque punitivo estatal (mandados de criminalização, configuração de re-
gras excipientes de direitos fundamentais), introduz uma Constituição que
preservaria o Estado Social através de normas penais e processuais penais
policialescas. Fala-se em garantismo positivo, garantismo de dupla face,
prova ilícita
pro societate
e outras tantas construções que providenciam
41 LOPES JÚNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen.
Investigação Preliminar no Processo Penal.
6 ed. São Paulo:
Saraiva, 2014.