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ARTIGOS
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Direito em Movimento, Rio de Janeiro, v. 27, p. 17-24, 1º sem. 2017
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Esse tema já foi objeto de decisão favorável no Egrégio Superior Tri-
bunal de Justiça
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e de Resolução do Conselho Federal de Medicina
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reco-
nhecendo a insuficiência do critério biológico para traduzir o direito à au-
todeterminação e à diversidade humana.
Para além dessa possibilidade, baseada no modelo binário que com-
preende, em tom excludente, somente as identidades masculina e femini-
na, a realidade social e a velocidade das transformações sociais, o respeito
à pluralidade e a aversão constitucional ao preconceito e discriminação
têm encorajado a revelação de novos modos particulares de identificação
do gênero a que pertence cada um, aí se incluindo a neutralidade de gêne-
ro, como já admitem alguns países europeus.
Em tese, ao menos na experiência do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, pode-se cogitar três possibilidades de competência em
relação ao pedido de alteração do nome e do sexo no caso de transexuali-
dade: i) Varas Cíveis; ii) Varas de Família; iii) Vara de Registro Público.
Este singelo trabalho tem o propósito de apontar, em conformida-
de com a Constituição da República e o substrato existente nas referidas
ações, o órgão competente para julgar o referido processo, e, para isso,
partirá de algumas premissas que serão desenvolvidas separadamente:
a) distinção entre orientação sexual e identidade de gênero; b) os funda-
mentos civil-constitucionais para o reconhecimento do direito ao perten-
1 Registro público. Mudança de sexo. Exame de matéria constitucional. Impossibilidade de exame na via do
recurso especial. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211/STJ. Registro civil. Alteração do prenome e do
sexo. Decisão judicial. Averbação. Livro cartorário. 1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de
Justiça apreciar, em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional.
2. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante
a oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pela Corte
a quo
. 3. O acesso à via excepcional, nos
casos em que o Tribunal
a quo
, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão
apontada, depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC.
4. A interpreta-
ção conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha auto-
rização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido
no meio em que vive. 5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o
exercício do direito à identidade pessoal e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua
nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade. 6. No livro cartorário, deve ficar averbado,
à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial.
7. Re-
curso especial conhecido em parte e provido. (REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta
Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 18/12/2009).
2 Resolução CFM nº 1.955/2010.