Revista da EMERJ 64 - page 129

R. EMERJ, Riode Janeiro, v. 17, n. 64, p. 126 - 149, jan. - abr. 2014
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norte-americana teria afirmado a sua própria autoridade para invalidar
leis que conflitem com aConstituição
2
. De fato, especialmente ao longo
do século XX, difundiu-se a concepção de que aquele precedente, ao
asseverar ser “enfaticamente competência e dever do Poder Judiciário
definir o sentido das leis”
3
, teria reconhecido a Corte como a suprema
guardiãdaConstituição
4
, fixandoasbases fundamentaisparaaquiloque
hoje se conhece como supremacia judicial.
Embora esse precedente seja consensualmente identificado como
omais famoso caso constitucional de todos os tempos, e se atribua ao
Chief Justice
Marshall a construçãopráticado
judicial review
, háumdado
histórico relevanteque tem sido comparativamentepoucoexplorado: em
Marbury v. Madison
, Marshall simplesmente reproduziu a tese hamilto-
niana a respeito do Poder Judiciário e de sua atribuição para velar pela
superioridadedaConstituição.
Com efeito, a elaboração teórica subjacente à formulaçãode
Mar-
shall
a respeitodo
judicial review
encontra-se integralmentedelineadano
Federalistan. 78, emartigodeautoriadeAlexanderHamilton. E, em ver-
dade, nãoapenasHamilton,mas vários integrantesda chamada “geração
fundadora” dos Estados Unidos preocuparam-se com o tema e a ele de-
dicaram seu pensamento, com especial destaque para Thomas Jefferson
e JamesMadison.
Ao longo desses mais de duzentos anos desde sua exposição ori-
ginal, o
judicial review
nos Estados Unidos acabou-se convertendo em
uma teoria que reconhece a supremacia judicial na interpretação consti-
tucional, identificandooPoder Judiciário como aquelequedita a “última
palavra”. Ou seja, reconhece-se uma autoridade exclusiva e final do Ju-
diciário emmatéria constitucional, gerando a perplexidade democrática
bem condensada na chamada “dificuldade contramajoritária” cunhada
porAlexander Bickel
5
.
2
Atualmente, existe uma literatura bastante importante nos Estados Unidos que questiona o conhecimento con-
vencionalmenteaceitodeque
Marburyv.Madison
seriaapedra fundadorado
judicial review
.Paraumaanálisemais
aprofundadada tese revisionista, confira-se, por todos: KLARMAN,Michael J.
"Howgreatwere the 'great'Marshall
courtdecisions?"
VirginiaLawReview
, v. 87, n. 06, oct./2011, p. 1.111 - 1.184.Disponível em:
stable/107390
. Acessoem: 10de junhode2013.
35U.S137 (1803). Tradução livredaautoraparaumdos trechosmais citados e controvertidosdadecisãoadotada
em
Marburyv.Madison
.Nooriginal: “
It isemphatically theprovinceanddutyof the judicial department to saywhat
the law is
”.
4
Esse (auto)reconhecimento foi explicitado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1958, ao
decidir o caso
Cooper v. Aaron (
358U.S. 1).
5
SegundoBickel, “
(...)when theSupremeCourtdeclaresunconstitutional a legislativeactor theactionofanelected
executive, it thwarts thewill of representatives of theactual peopleof hereandnow; it exercises control, not inbe-
1...,119,120,121,122,123,124,125,126,127,128 130,131,132,133,134,135,136,137,138,139,...195
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