Revista Magistratus - Número 2 - Setembro 2017

2 Revista Magistratus 2017 PALAvRA DO DIRETOR O magistrado hoje H á quase 30 anos, um vivido e experiente magistrado, amigo da família, quando me ini- ciava como juiz, deu-me o seguinte conselho: “Juiz só julga, fala apenas nos autos e jamais emite opinião”. Era compreensível aquela visão comportamen- tal, mas hoje o mundo mu- dou, e a magistratura já foi convenientemente apenada por ter mantido tanta distân- cia da sociedade, a ponto de se imaginar que nós, juízes, constituíamos uma casta pri- vilegiada e vivíamos como verdadeiros deuses, encaste- lados e usufruindo as benes- ses de uma “caixa-preta” que precisava ser aberta. Culpa nossa, porque não abrimos os olhos no mo- mento certo e não falamos quando devíamos falar. Mas nunca é tarde para mudar, e mudamos. À frente da direção-ge- ral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), tenho procurado passar não só para o novo magistrado, mas também para os veteranos, o que é ser juiz na sociedade atual. Iniciei um processo reflexivo, o qual me trouxe a indagação sobre o que a sociedade espera do juiz atual. Inegavelmente, os tempos mudaram, e foi-se a época do juiz encastelado no seu gabinete, vivendo numa redoma. Hoje, a Justiça é proativa, não só porque deve ser, mas porque a sociedade o exige. A crise de valores que assola a sociedade brasileira tornou o Poder Judiciário o alento para novos tempos. A ética, a moralidade e a gestão eficaz são atributos que não deveriam faltar a ninguém, mas, aos magistrados, esses predicados tornam-se indis- pensáveis, porque a eles se tributa a esperança de um novo amanhã. Se o juiz não tem a fun- ção de legislar, e não pode ter mesmo, porque disso, consti- tucionalmente, se incumbe o Legislativo, o Brasil de hoje não se conforma com a inér- cia e quer saber de soluções. Tempo foi em que o juiz devia ser apenas juri- dicamente culto, honesto e imparcial. Era o que bastava. Hoje, porém, um juiz tem que ser íntegro na largueza da expressão. A integridade, evi- dentemente, passa pela ho- nestidade, e não poderia ser diferente, mas se estende à imparcialidade, honradez, independência, cultura geral e jurídica. Um juiz moderno tem que estar engajado num processo evolutivo de conhe- cimento. Atualmente, sem rele- gar a lei objetiva, o magistra- do contemporâneo há de ter sensibilidade para conhecer os problemas que lhe são postos à apreciação. Justiça sem compreensão humana, sensível, não será nunca jus- tiça. Será, sim, um repositó- rio de normas objetivas, para cuja aplicação, talvez, nem se precise do juiz. Não se está a defender a alternatividade do direito ou ideologias inovadoras que encontram caminho fácil em correntes ideológicas que conflitam o interesse social com o individual, colocando este à frente daquele. Mas também, o juiz moderno não pode ficar alheio aos movi- mentos da sociedade em prol de mudanças. A venda que cerra os olhos do julgador deve refle- tir a imparcialidade, mas não deve servir para impedir que enxergue os movimentos da sociedade, sua modernida- de, seus conceitos atuais e as transformações de costumes. O juiz moderno fala, comunica-se com a socieda- de e com a mídia. Mas não deve ser estrela ou falar so- bre o que está nos autos. Ex- pressa suas ideias. É diligente, preocupa- do com a rápida solução do processo. Comporta-se com urbanidade, respeita todos os operadores do direito. A arrogância dista dele. Para ele, não existem poderosos e nem diferentes. Há somente o cidadão, que quer ser ouvido, respeitado e que vem ao Poder Judiciário em busca de justiça. Esse, o juiz moderno! Desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo Diretor-Geral da EMERJ *O artigo foi publicado no Jornal O Globo, em 22 de julho de 2017. F���:AMAERJ

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