Revista Magistratus - Número 6 - Dezembro 2018 - Edição Comemorativa

8 9 Revista Magistratus 2018 2018 Revista Magistratus E stabilidade I nstitucional Na opinião do ministro do STF, 30 anos de estabilidade institucional em um país da América Latina é algo a ser co- memorado. Para ele, “não foram tempos banais”, disse, ao lembrar que o país foi marcado por escândalos em série, como os “Anões do Orçamento”, o “Mensalão”, a “Operação Lava Jato”, e duas denúncias criminais contra o Presidente da Repúbli- ca em exercício. “Todas essas crises foram enfrentadas dentro do quadro da legalida- de constitucional”, ponderou Barroso. Até antes da Constituição, o jurista declarou que a tradição brasileira era a da quebra de legalidade, com episódios de ruptura ou tentativa de ruptura da ordem institucional, e, como explicação, elencou acontecimentos como a Revolu- ção de 1930, a Revolução Constituciona- lista de 1932, a Intentona Comunista de 1935, o Golpe do Estado Novo de 1937, a retirada de Getúlio Vargas do poder em 1945, as duas tentativas de golpe contra Juscelino Kubitschek na década de 50, o Golpe Militar de 1964 e os Anos de Chumbo do período Médici, que ter- minaram em 1974. “O Brasil sempre fora o país do gol- pe de Estado, da quartelada, das mudanças autoritárias das regras do jogo”, disse. E stabilidade monetária O ministro relembrou os tempos da hiperinflação no Brasil de quase 40 anos atrás e os sucessivos planos eco- nômicos fracassados, e citou os planos Cruzado I e II (1986), Bresser (1987), Collor I (1990) e Collor II (1991). “Até que, com a chegada do Plano Real, a partir de 1º de julho de 1994, conquis- tamos estabilidade monetária, e isso teve um impacto imenso na qualidade de vida das pessoas. Talvez os mais jovens não consigam imaginar o que era a moeda perdendo poder aquisitivo diariamente. Os preços no supermercado mudavam no mesmo dia. A vida era terrível e a hi- perinflação aprofundava o abismo de de- sigualdade que existe no Brasil. O poder aquisitivo dos salários se decompunha a cada dia”, lembrou. Para Barroso, a superação do qua- dro de inflação ajudou a desenvolver um conceito importante no Brasil, em- bora, segundo ele, ainda não totalmente aprendido, que é o da responsabilidade fiscal. “Em uma década de democracia e de poder civil, iniciado em 1985, o país consolidou a vitória sobre a ditadura e sobre a inflação. Em desdobramento da estabilidade monetária, entrou na agenda da sociedade a percepção da importância da responsabilidade fiscal. Embora não seja uma batalha totalmente ganha, aos poucos foi se consolidando a crença de que se trata de uma premissa das eco- nomias saudáveis. A não observância da regra básica de não se gastar mais do que se arrecada traz como consequências o aumento de juros ou a volta da inflação, disfunções que penalizam drasticamente as pessoas mais pobres”, afirmou. I nclusão social e D ireitos F undamentais Na concepção de Luís Roberto Barroso, a Constituição Federal promo- veu a inclusão social. E apesar de sub- sistirem indicadores ainda muito insa- tisfatórios, os avanços obtidos desde a redemocratização foram significativos, na opinião do ministro. “Nessas três dé- cadas, 30 a 40 milhões de pessoas dei- xaram a linha da pobreza extrema no Brasil”. Durante esse período de demo- cracia, o índice de desenvolvimento hu- mano no Brasil foi o de maior percentual de crescimento da América Latina, o que significa dizer que aumentou a escolari- dade, a renda dos cidadãos e a expectati- va de vida”, informou. Barroso fez referência ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – do Brasil, que é medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Segundo dados apresentados por ele, nessas três décadas, houve au- mento de 11,2 anos de expectativa de vida dos brasileiros e de 55,9% na renda dos cidadãos. Já na educação, a expectativa de estudo para uma criança que entra para o ensino em idade escolar cresceu 53,5% (5,3 anos). Segundo dados do IBGE/ PNAD, 98,4% das crianças em idade compatível com o ensino fundamental (6 a 14 anos) estão na escola. “Os avanços, portanto, são notáveis. Porém, alguns da- dos ainda são muito ruins: o analfabetis- mo atinge 13 milhões de pessoas a partir de 15 anos (8,5% da população) e o anal- fabetismo funcional (pessoas com menos de 4 anos de estudo) alcança 17,8% da população”, sinalizou o ministro. Ao dissertar sobre as conquistas relacionadas à inclusão social e aos direi- tos fundamentais, Luís Roberto Barroso declarou: “Em uma geração, nós derro- tamos a ditadura, a hiperinflação e tive- mos vitórias expressivas sobre a pobreza extrema. Nenhuma batalha justa é inven- cível. E, além disso, nesses 30 anos, em matéria de direitos fundamentais e com a intervenção decisiva do Poder Judiciá- rio, tivemos avanços em áreas múltiplas, que envolvem as mulheres, os negros, os LGBTs e as pessoas trangêneras, a população indígena, além dos avanços em matéria de liberdade de expressão em um país de cultura ainda autoritária e censória. São avanços muito relevan- tes em matéria de direitos fundamentais. Portanto, esses 30 anos nos oferecem muitos motivos para comemorar”. “Ao longo dos anos, a Constituição tem sido uma boa bússola. Sobre o desencanto de uma República que ainda não foi, precisamos que ela nos oriente em um novo começo”, re- fletiu o jurista. Segundo Barroso, o mundo vivencia sua 4ª Revolução, com a era digital e as novas tecnologias, e é preciso repensar o Brasil não apenas para uma próxima eleição, e sim para um país melhor para as próximas gerações. “Precisamos preparar o país para esse mundo novo. E um dos fatores essenciais para o futuro é a educação”. Com a saída na educação de base, o ministro acredita que neste momento de um país polarizado pode haver um denomi- O p r e s e n t e e a s d i f i c u l d a d e s nador comum capaz de unir da esquerda à direita: “um projeto patriótico suprapartidário para elevar o nível da educação de base no Brasil e preparar a próxima geração para viver e construir um país melhor do que este até aqui”, propôs. “Aos trinta anos de democracia, temos uma chance de nos repensarmos e nos reinventarmos como país, com uma re- volução pacífica capaz de elevar a ética pública e a ética privada. A fotografia do momento atual é sombria, mas os 30 anos da Constituição de 1988 narram uma história de relativo sucesso”, afirmou Barroso. E concluiu com um lema: “Não importa o que esteja acontecendo a sua volta, faça o melhor papel que puder”. • O f u t u r o : a e s p e r a n ç a e s t á n a e d u c a ç ã o Segundo o ministro, o momento atual não é o de se dis- cutir uma nova Constituição, nem o de se convocar a Assem- bleia Constituinte, pois o país está polarizado e marcado por ressentimentos recentes. “Na vida, não devemos encobrir a realidade. Portanto, te- mos problemas”, ponderou o ministro, ao elencar as principais adversidades vividas hoje no país, mesmo com a Constituição Cidadã. Para Barroso, os pontos fracos desses 30 anos são, em especial, o sistema político, a corrupção sistêmica e a violência. “O sistema político brasileiro é ainda uma agenda inaca- bada. Em uma democracia, política é gênero de primeira neces- sidade e, portanto, a crítica do sistema político não é uma crí- tica contra a política, e sim uma crítica pelo aprimoramento da política, que vive um momento de preocupante descolamento entre a classe política e a sociedade civil”, julgou. Como alternativa para enfrentar o problema, o jurista con- siderou ser necessária e urgente uma reforma política que seja capaz de produzir três resultados principais: baratear o custo das eleições, pois, segundo ele, são os altos custos de uma campanha política que geram boa parte dos problemas de corrupção; apri- morar a representatividade dos membros do parlamento, com o aumento da representatividade democrática dos eleitos; e, em terceiro lugar, facilitar a governabilidade. Sobre o último aspecto, Barroso manifestou-se: “Com 35 partidos políticos, o presidente acaba refém de práticas excessivamente fisiológicas, quando não desonestas, sob pena de não conseguir governar. O fato é que o sistema partidário impõe ao Executivo práticas reiteradas de fisiologismo e favorecimentos. É ummodelo que cria um tipo de presidencialismo de coalisão, em que o poder tem que ser repar- tido por uma miríade de partidos que não têm nenhum projeto programático nem ideológico”. Na opinião do jurista, há uma institucionalização da desonestidade no Brasil. O segundo ponto baixo dessas três décadas, para Barro- so, refere-se à percepção da corrupção estrutural, sistêmica e endêmica. “Essa corrupção não foi um produto de pequenas falhas individuais ou de fraquezas humanas, mas sim de esque- mas profissionais de arrecadação e de distribuição de dinhei- ro público desviado, num grau de contaminação que alcançou empresas estatais e privadas e seus agentes, partidos políticos, membros do Congresso e do Executivo. Tornou-se o modo natural de se fazer negócios e de se fazer política no país”. Para Barroso, o pior obstáculo para vencer a corrupção é o pensamento aculturado de que “os fins justificam os meios”. “A corrupção não é uma nota de pé de página na história. Ela desvia recursos que não irão para serviços públicos. Ela cria uma relação pervertida entre a cidadania e o Estado e um am- biente generalizado de desconfiança em que todo mundo acha que pode passar o outro para trás”, pontuou. Entretanto, o ministro apontou que essa situação come- çou a mudar. Ele considera ter se iniciado um período que de- nominou de “refundação do Brasil”, quando a sociedade deixa de aceitar a corrupção e começa a reagir. “Esse processo cla- ramente se verifica no Brasil nos últimos anos. Há uma imensa demanda na sociedade brasileira por integridade, por idealismo e por patriotismo. E essa é a energia que muda paradigmas e empurra a história”. O terceiro item negativo a ser considerado é o aumento da violência. “Nós nos tornamos o país mais violento do mun- do. São 63 mil homicídios por ano; é mais do que na guerra na Síria. Muitas vezes, são números invisíveis, pois são pessoas pobres, de baixa escolaridade, negras. Mas um país não pode conviver com esses índices de violência”, disse Barroso. “Esta foi a Constituição que nos ajudou a fazer a travessia bem-sucedida de um país autoritário, intolerante e muitas vezes violento, para um Estado constitu- cional e democrático”, considerou Barroso. Para ele, não é a Constituição ideal, o que talvez sequer exista, mas esta é a Constituição das circunstâncias e é aquela que, no geral, serviu bem ao longo desse período de 30 anos. Ao fazer uma retrospectiva dos últimos 30 anos, o jurista considerou quais teriam sido as conquistas mais expressivas dessas décadas, a partir da Constituição Cidadã: a estabilidade institucional, a estabilidade monetária, a inclusão social e o avanço dos direitos fundamentais. O l h a n d o p a r a t r á s - u m r e t r o s p e c t o

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