Revista Magistratus - Número 6 - Dezembro 2018 - Edição Comemorativa

30 31 Revista Magistratus 2018 2018 Revista Magistratus N o mês de outubro de 2018, a Constituição brasileira comple- tou trinta anos. Alguns, apro- veitando a data, indagam se a sociedade brasileira tem motivos para comemorar ou lamentar. Ocupo o lugar dos que defendem a atual Constituição do Brasil. Apesar do complicado processo de elaboração, o resultado é bem interessante e digno de reconhecimento por parte dos que conhecem o Direito Constitucional. As críticas pecam pelos exageros e os elo- gios injustamente são tímidos. Explico, a seguir, com as limita- ções que o espaço me impõe, algumas pelo texto constitucional brasileiro. O primeiro argumento que utili- zo, o comparativo, reconheço, traz uma carga de exagero, mas não deve ser es- quecido. Se compararmos com a Cons- tituição anterior, a atual é bem melhor. Ainda que ela não fosse boa, qualquer Constituição democrática que substitua uma outorgada, potencialmente é me- lhor, por devolver ao povo o poder de escolher livremente seus representantes. Na origem, o processo de elabo- ração da atual Constituição brasileira foi peculiar. É inegável que havia necessida- de de uma nova Constituição para supe- rar o ordenamento jurídico construído na vigência do regime militar. O presi- dente José Sarney, alçado ao poder em razão da inesperada morte do presidente eleito, manteve o compromisso assumi- do por Tancredo Neves no sentido de convocar uma Assembleia Constituinte e proporcionar ao povo brasileiro nova experiência constitucional, democrática e livre. Apesar das críticas, optou-se pela não convocação de uma Assembleia ex- clusivamente constituinte. O Congresso Nacional, que iniciou a legislatura em 1987, recebeu poderes constituintes e, durante quase dois anos, dedicou-se à missão de elaborar um texto que assegu- rasse ao povo brasileiro condições para viver com dignidade em um ambiente democrático. O resultado foi uma Constituição analítica, com muitos artigos e aproxi- madamente cem emendas, trinta anos depois. O número de modificações, re- sultante de processo legislativo mais rí- gido, é natural diante das características da Constituição brasileira e das radicais mudanças na vida em sociedade que marcaram o tempo de sua vigência. As Constituições analíticas, mais detalhadas e extensas, necessitam de processo di- nâmico de adaptação em face das novas demandas sociais. Não se deve esquecer a verdadeira revolução da ciência, da tecnologia e dos costumes, ocorrida nas últimas décadas. É fato que a sociedade precisa en- contrar, na Constituição, a resposta para suas demandas mais sensíveis, sejam elas BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRINTA ANOS DA CONSTITUIÇÃO por Claudio Brandão de Oliveira As Constituições analíticas, mais detalhadas e extensas, necessitam de processo dinâmico de adaptação em face das novas demandas sociais relacionadas com direitos fundamentais ou com a organização do Estado e dos pode- res. Superada a perplexidade com o núme- ro de Emendas, o exame de cada uma delas revela que, na essência, as alterações foram necessárias e apenas atualizaram o texto constitucional diante da complexa relação entre sociedade e Estado. É de se lamentar, no entanto, que parte da Constituição não foi ainda re- gulamentada. O constituinte empregou, com frequência incomum, normas de eficácia limitada para tratar de temas muito importantes. Impediu-se, assim, a “ ” ESPAÇO MAGISTRADO aplicação dessas normas constitucionais até a sua efetiva regulamentação através de providências legislativas ou adminis- trativas que não foram até hoje produ- zidas. Existem muitas normas constitu- cionais que não foram regulamentadas e, como consequência, não podem ser aplicadas. Observa-se, assim, a precarie- dade dos instrumentos de controle con- creto (mandado de injunção) e abstrato (Ação Direta) da inconstitucionalidade por omissão, tão perversa quanto a in- constitucionalidade por ação. Basta a inércia do Congresso Nacional na elabo- ração de uma lei ordinária para impedir que a vontade do Constituinte originário produza seus efeitos. Nos últimos trintas anos, o Brasil enfrentou crises políticas sérias, planos econômicos fracassados, o impedimento de dois presidentes eleitos e, mais recen- temente, a primeira intervenção federal, no Rio de Janeiro. Registre-se que não houve nenhum episódio de Estado de Sítio ou de Defesa. Os problemas fo- ram ou estão sendo superados pela utili- zação das respostas constitucionalmente previstas e adequadas, sem rupturas à or- dem jurídica. A Constituição foi cumpri- da e as instituições continuam em pleno funcionamento. Os direitos fundamentais da pri- meira geração, relativos à liberdade nas suas mais diversas formas de manifesta- ção, estão sendo efetivamente aplicados e preservados. O mesmo não se pode afirmar em relação aos direitos sociais, categoria de direitos fundamentais que exige do Estado a prestação de serviços públicos considerados indispensáveis para uma vida digna em sociedade. Pas- sados trinta anos, é fato que o Estado brasileiro não conseguiu disponibilizar oferta suficiente dos serviços de saúde, educação e cultura, dentre outros, aos que integram a parcela mais carente da sociedade. A omissão estatal acabou por acentuar o processo de judicialização das questões relacionadas com a imple- mentação das políticas públicas. Há um processo intenso de reivindicação, junto ao Poder Judiciário, de medidas para dar efetividade às normas constitucionais que veiculam direitos fundamentais da segunda geração, com impacto evidente na relação entre os poderes e os instru- mentos de controle recíproco. Sobre a questão, o texto original da Constituição trouxe instabilidade ao atri- buir, sem limites, competência ao Presi- dente da República para editar e reeditar medidas provisórias. Nos primeiros anos de vigência da Constituição, o chefe do Poder Executivo acabou por se trans- formar no grande legislador do país, reduzindo o papel do Poder Legislativo ao de mera homologação de medidas le- gislativas rotuladas como provisórias. A Emenda Constitucional nº 32, em boa hora, limitou as possibilidades de edição de medidas provisórias, restabelecendo a normalidade. Convive-se com o pleno funcio- namento das instituições e seus agentes, vigorando os princípios republicanos, inclusive quanto à eliminação da ideia de irresponsabilidade dos agentes políticos. Está claro para a sociedade, sem a ne- cessidade de utilização de exemplos, que todos podem ser responsabilizados por seus atos na gestão dos interesses públi- cos. Agentes públicos, vinculados a to- dos os poderes, respondem a processos penais ou de improbidade por seus atos, não sendo justo afirmar que há clima de impunidade no país. Critica-se, com razão, a forma de implantação do modelo federativo bra- sileiro. Marcada pela inédita previsão de autonomia municipal, a federação brasi- leira prevê a distribuição das funções do Estado entre três níveis de governo, com competências precariamente delimita- das na Constituição. Há uma evidente desproporção na distribuição de com- petências e de arrecadação. Ocorre que qualquer mudança no pacto federativo, diante de sua sensibilidade, esbarra no quórum qualificado de aprovação das emendas constitucionais. O presidencialismo, como sistema de governo, vem se revelando um pro- blema de difícil solução. A Constituição foi elaborada sob forte inspiração parla- mentarista. São excessivos os institutos constitucionais que refletem o controle do parlamento sobre o Poder Executivo. A dependência vem exigindo o manejo de um “presidencialismo de coalização” com resultados moralmente devastado- res. A experiência constitucional brasilei- ra indica que a perda de apoio popular e parlamentar acaba por implicar na inter- rupção do mandato do chefe do Poder Executivo através da peculiar forma de utilização do impeachment no Brasil. Apesar de não ser perfeita, a Cons- tituição brasileira merece ser defendida contra ataques indevidos. O esforço da sociedade não deve ser vocacionado a sua substituição, mas ao seu aprimora- mento, notadamente no sentido de dar maior estabilidade aos poderes e maior efetividade aos direitos sociais. São essas as considerações que me permiti formular, com as limitações de es- paço, lembrando o sincero desejo de que se aplique no Brasil a lição contida no pre- âmbulo da Constituição da Suíça, quando indica que “ livre é só quem usa de sua liberdade, e que a força de um povo se mede pelo bem-estar dos fracos”. • Claudio Brandão de Oliveira Desembargador e membro da 7ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Órgão Especial. Membro do Fórum Permanente de Ciência Política eTeoria Constitucional da EMERJ. Professor da EMERJ

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