Revista Magistratus - Número 6 - Dezembro 2018 - Edição Comemorativa

22 23 Revista Magistratus 2018 2018 Revista Magistratus INSTITUCIONAL O Supremo Tribunal Federal (STF) rompeu com o dog- ma segundo o qual cada pessoa tem apenas um pai e uma mãe e admitiu que não há prevalência entre a pa- ternidade biológica e a socioafetiva. A Corte abriu as portas do sistema jurídico brasileiro para a chamada multiparentalidade. Em um campo delicado como o da família, cercado de precon- ceitos, tradições, questões culturais, sociais, morais e religiosas, o Supremo decidiu que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (STF, REx nº 898.060, Rel Min. Luiz Fux, Plenário, pub. 24/08/2017) e afirmou que a paternidade socioafetiva não representa uma paternidade de segunda cate- goria diante da paternidade biológica. Mas a multiparentalidade traz desafios que levam a re- flexões. Quais são os efeitos pessoais e patrimoniais? Como MULTI PARENTA LIDADE e a legitimação das novas famílias MULTIPARENTALIDADE: registros de nascimento com dois pais e uma mãe ou com duas mães e um pai são exemplos encontrados hoje nas jurisprudências dos tribunais. FAMÍLIA: conjunto de pessoas que têm um ancestral comum. Essa ainda é uma definição que aparece nos dicionários. Mas será que corresponde à realidade atual? ficam o poder familiar, o direito de herança e o bem-estar dos filhos? Estaria-se incentivando aqueles filhos que somente se interessam pelos pais biológicos no momento em que se des- cobrem como potenciais herdeiros? Seria a multiparentalidade o reconhecimento de uma realidade fática presente em inúme- ras famílias? Haveria uma incoerência com os casos de adoção, que rompem o vínculo do filho com a família biológica? E os doadores de material genético? Para debater o tema, o Fórum Permanente de Direito de Família e Sucessões da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), presidido pela desembargadora Katya Monnerat, reuniu magistrados, advogados, psicólogos, especialistas e estudantes para ouvir duas opiniões diferentes sobre o assunto. Os advogados Ricardo Calderón e José Fer- nando Simão apresentaram seus pontos de vistas sobre a mul- tiparentalidade. Para o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o reco- nhecimento da multiparentalidade foi um grande avanço, por tratar-se de uma reali- dade fática presente em inúmeras famílias, e, portanto, tal realidade teria que ser reco- nhecida pelo Direito em algum momento. “Nossos tribunais foram corajosos ao reconhecer a multiparentalidade de uma maneira rápida, sem esperar uma lei sobre o tema. O direito de família brasilei- ro tem avançado muito com o impulso da jurisprudência. Este caso é um exemplo disso, um reconhecimento importante que permite que se faça justiça em muitos casos concretoss”, ressaltou Calderón. Mas José Fernando Simão, advoga- do e professor, questionou: “A multipa- rentalidade nos desafia a fazer reflexões que não fazíamos no passado. Como fica o poder familiar exercido por três? Como fica o direito de herança exercido por três? Como fica a questão do bem- -estar da criança ou adolescente? Então, imaginemos uma briga do casal com relação ao poder familiar; com dois já é uma grande confusão, e com três, como se analisa o melhor interesse da criança ou do adolescente? ” Calderón ponderou: “É muito im- portante também perceber que não são todos os casos que vão gerar multiparen- talidade. O STF considera que pode haver tal reconhecimento, desde que a situação fática justifique a decisão e ela esteja de acordo com o melhor interesse da crian- ça. Ao lado da questão da afetividade pre- sente, temos sempre que verificar o que atende ao melhor interesse da criança. ” “Será que, quando pensamos em multiparentalidade, pensamos no me- lhor interesse da criança ou adolescen- te ou olhamos o interesse daqueles que querem ser pais ou mães?”, questionou Simão. Ele acredita que a multiparenta- lidade apresenta questões técnicas, teó- ricas, jurídicas, mas também sociais. O advogado alertou: “Quando a multipa- rentalidade reflete o que já acontece na prática, até se louva. Agora, quando um juiz, um acórdão ou um tribunal impõe a multiparentalidade, estamos sendo pou- co técnicos, porque no fundo não sabe- mos os efeitos disso na vida da criança. Hoje nós todos temos um pai e uma mãe, como regra. E que família é essa que estamos formando para o futuro? O tema transborda o jurídico e vai para o sociológico. Eu não sinto que a multipa- rentalidade seja uma alegria, uma festa. Ela pode ser boa, como pode ser péssi- ma, não dá para transformar o instituto assim, na regra”. • Nossos tribunais foram corajosos ao reconhecer a multiparentalidade de uma maneira rápida, sem esperar uma lei sobre o tema. O direito de família brasileiro tem avançado muito com o impulso da jurisprudência. Este caso é um exemplo disso, um reconhecimento importante que permite que se faça justiça em muitos casos concretos Hoje nós todos temos um pai e uma mãe como regra. E que família é essa que estamos formando para o futuro? O tema transborda o jurídico e vai para o sociológico “ “ “ “ Ricardo Calderón José Fernando Simão

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz