Revista Magistratus - Número 6 - Dezembro 2018 - Edição Comemorativa
14 15 Revista Magistratus 2018 2018 Revista Magistratus INSTITUCIONAL A declaração é do ministro da Jus- tiça, Torquato Jardim, que esteve na Es- cola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) para o seminário “Jurisprudência: Dever de Estabilidade, Integridade e Coerência”. O evento foi promovido pelo Fórum Permanente de Direito Tributário da EMERJ, presidido pelo desembargador Luciano Rinaldi, e fez parte das comemorações da Escola para celebrar os 30 anos da Constituição Federal. “Falar da Constituição Federal de 1988 é para mim um retorno ao passa- A CONSTITUIÇÃO DE 88 E A DEMOCRACIA do”. Assim o ministro da Justiça iniciou sua exposição, ao contar que integrou o grupo de advogados que há 32 anos participou do projeto que escreveu a Constituição para o Instituto Tancredo Neves. Torquato Jardim considerou estar a Constituição em exercício contínuo de evolução e, portanto, serem as emendas positivas, uma vez que, através delas, a Constituição Federal pode acompanhar o tempo e as transformações da socie- dade. “É uma Constituição que recep- ciona novos temas, que não poderiam ser pensados há 30 anos, pois não es- tavam presentes naquela época, parti- cularmente nas relações sociais, como a homoafetividade e as consequências desse fato na vida patrimonial, no di- reito previdenciário, no direito eleitoral, nas relações contratuais”, disse. De acordo com o jurista, é essen- cial a atualização da Constituição: “A sua estabilidade impõe um processo de revisão permanente, donde se fizeram necessárias as 99 emendas em 30 anos. Ainda há outras 400 aguardando vota- ção e mais 500 aguardando processos legislativos”. Em sua concepção, a Constituição Federal é, na sua totalidade, eficaz na re- solução de todos os conflitos políticos, sociais e econômicos, como também dos litígios sociais, além de ser o ponto crucial na demarcação de uma democra- cia. “Não há dúvida alguma de que a de- mocracia representativa está consolida- da – seja na sua operação institucional, seja na formalidade da escolha de seus agentes, seja na liberdade de deliberação dos seus três agentes constitucionais principais. O Brasil não teme o naufrá- gio da democracia”, disse ao falar do processo eleitoral, e completou: “Esco- lhemos livremente os nossos represen- tantes. Tivemos a oitava eleição conse- cutiva para Presidente da República e a renovação de governadores e deputados e de 2/3 do Senado Federal”. “Mas qual Constituição estamos a celebrar?”, indagou, ao considerar que ainda há fatos a serem superados, con- dições a serem elucidadas e esforços a mais a serem feitos para que a sociedade civil seja parte real da essência da Cons- tituição e não apenas parte da formali- dade operacional da democracia. A sua estabilidade impõe um processo de revisão permanente, donde se fizeram necessárias as 99 emendas em 30 anos “ ” “É a primeira vez na história do Brasil que temos uma Constituição que dura 30 anos. É verdade que foi emendada 99 vezes, pois evoluiu em um processo contínuo de construção e criatividade pelo argumento, pelo debate aberto, nunca pela força das armas. Não há dúvida alguma de que a democracia está consolidada” P oder X C onstituição Torquato falou sobre o poder e relacionou o tema com a Carta. “Consti- tuição continua a ser um pacto de poder, um contrato de partilha de poder e de acomodação de interesses entre grupos sociais com capacidade de participar efetivamente do controle do sistema político”, disse. O jurista opinou ainda: “Poder é uma relação sociopsicológica fundada em um efeito recíproco en- tre os que detêm e exercem o poder e aqueles a quem se dirige o poder. Esse poder político é o exercício de um con- trole social: a capacidade de tomar ou determinar uma decisão e a de obrigar o seu cumprimento. Há uma distância entre a Constituição normativa e eficaz e a Constituição material e substantiva vivida por todos”. “Eficaz é o nosso sistema consti- tucional porque não exclui ninguém per- manentemente das benesses da ordem constitucional. Esse foi o erro do ab- solutismo, ao excluir permanentemente uma parte da sociedade - a burguesia urbana – veio a revolução, que criou o chamado ´constitucionalismo´, a partir do qual foram concebidos mecanismos racionais para o exercício e controle do poder”, explicou. Para o jurista, a Constituição, no estado democrático, deve estabelecer um equilíbrio entre as diferentes forças plu- ralistas que disputam espaços de influên- cia e decisão dentro da sociedade estatal. D esafios e perspectivas “Revivenciar permanentemente a Constituição é um exercício multi- disciplinar. Como na ciência médica, os especialistas são importantes, mas o Eficaz é o nosso sistema constitucional porque não exclui ninguém permanentemente das benesses da ordem constitucional “ ” clínico geral - como grande sintetizador - é crucial. É dele a compatibilização e o ajuste coordenado do todo. Do mes- mo modo, não podemos, sob o peso da irresponsabilidade cívica, revivenciar a Constituição como um organismo legal isolado da sociologia, da política e da psicologia, e de todas as formas de ex- pressão de sentimento e de emoções da cidadania”, considerou Torquato. Para ele, é um constante desa- fio encontrar ou inventar formas mais propícias à reconexão entre o mundo da vida e da sociedade e o mundo das instituições do estado. “O desafio está nas construções permanente e coletiva do novo”, pontuou. Conforme destacou, “a constru- ção da república mediante a interpre- tação da Constituição há de fluir da efi- cácia da partilha harmônica dos papéis normativos de cada ente constitucional. O poder político de cada ente constitu- cional há de ser manifestado mediante a construção de consenso. Do consen- so evolutivo, tirado das entrelinhas da diversidade. É como percebo esses de- safios particularmente cruciais em mais uma quadra atribulada da nossa história, na qual infelizmente a política, essencial à democracia, nos divide mais do que nos une. Concluo que neste momento de debate do pleito eleitoral é preciso paci- ficar, ter moderação, equilíbrio, serenida- de, ideias concretas e absoluto respeito à Constituição, que poderá oferecer exem- plos de superação da divisão dos brasilei- ros que se instalou no Brasil”. • Torquato Lorena Jardim é jurista, atual ministro da Justiça do Brasil e professor da Universidade de Brasília
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