Revista Magistratus - Número 4 - Maio - 2018
12 Revista Magistratus 2018 ENTREVISTA O Judiciário está começando a ser demandado para funções que não são suas efetivamente. Regular política pública é atribuição do Executivo; a função de criar leis é do Legislativo, e o Judiciário é quem dá vida à lei, mas ele não pode funcionar para além da lei . ” “ MAGISTRATUS: O N ovo C ódigo de P rocesso C ivil pode ser uma forma de reduzir o grande volume de ações no J udiciário e de resolver o problema de judicialização da vida ? SALOMÃO : O novo CPC tem o objetivo, justamente, de debelar essa crise que estamos enfrentando, de cerca de 30 milhões de processos novos por ano, em uma espiral que, desde 1988, nunca parou de crescer. Estamos falando de mais de 100 milhões de demandas em estoque para uma taxa de congestionamento de cerca de 70%. Isso representa uma média de um processo para cada dois habitantes. Temos que buscar entender por que essa judicialização da vida - na verdade, de todas as relações sociais, econômicas, políticas - está acontecendo e não estamos dando vazão para contê-la. MAGISTRATUS: A tivismo é papel do J udiciário ? E le deve agir quando há inércia de outros poderes ? SALOMÃO: O Judiciário tem preenchido lacunas que even- tualmente surgem pela necessidade de respostas mais rápidas do que aquelas oferecidas pelo Executivo/Legislativo ou pela busca de efetivação de garantias constitucionais, como o direi- to à saúde e à educação. Como se sabe, em matéria de poder, não há vácuos. De outra parte, em determinadas questões, o Congresso tem dificuldade para avançar. MAGISTRATUS: P oderia citar casos de repercussão nos quais considere que tenha havido o ativismo judicial ? SALOMÃO: Vou dar um exemplo: o aborto. Em todas as supremas cortes do mundo, esse assunto é discutido porque divide a sociedade, e o Parlamento não tem condição de avançar. E é nessa posição contramajoritária que tem papel o Judiciário. Nas uniões homoafetivas, o Judiciário também tem que cumprir seu papel, para firmar o direito das minorias. No entanto, isso está sendo confundido, porque o Judiciário está começando a ser demandado para funções que não são suas efetivamente. Regular política pública é atribuição do Executivo; a função de criar leis é do Legislativo, e o Judiciário é quem dá vida à lei, mas ele não pode funcionar para além da lei. MAGISTRATUS: A que se refere quando utiliza a expressão “ judicialização da vida ”? SALOMÃO : O momento atual para o Judiciário brasileiro re- quer muita ponderação e equilíbrio; uma reflexão sobre o rumo até aqui e as estradas a serem percorridas. O mundo vem experi- mentando o que se denomina de “judicialização da vida”, talvez uma reação à barbárie da guerra e às atrocidades ali cometidas contra os direitos fundamentais. A resposta da humanidade foi buscar soluções de conflitos de maneira civilizada. No caso bra- sileiro, esse fenômeno da judicialização desenfreada (das rela- ções sociais, políticas, econômicas e de toda ordem) experimen- tou incremento considerável diante da Constituição de 1988, que é bastante descritiva em direitos e aponta o Judiciário como o guardião de todas as promessas constitucionais pós-ditadura. Além do mais, no Brasil, não houve - salvo raras exceções - uma política pública adequada para implementação de soluções extra- judiciais de conflitos. MAGISTRATUS: C omo avalia os primeiros anos de vi - gência do novo C ódigo ? SALOMÃO: Após dois anos de vigência, considero positivo o novo CPC. Porém, apesar dos avanços, ainda é cedo para avaliar os resultados. Estamos começando no STJ um trabalho de inteligência para reunir informações sobre o que está acon- tecendo nos tribunais estaduais. Não temos ainda um observa- tório que examine a eficácia. É importante ressaltar que, com o novo CPC, estamos construindo o direito dos precedentes, o que é uma jurisprudência coerente e segura. Acho que ao longo do tempo vamos formando essa cultura. MAGISTRATUS: E ntão o novo CPC aperfeiçoou o sistema de precedentes ? SALOMÃO: Vamos, cada vez mais, introduzir a ideia de pre- cedentes vinculantes, não só obrigatórios, mas também criar uma lógica na ideia de razoabilidade, de segurança jurídica e responsabilidade dos tribunais. O STJ tem uma tarefa muito re-
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