Revista Magistratus - Número 3 - Dezembro 2017
5 2017 Revista Magistratus “ “ “ Tarso é ator e modelo e sonha em ser pai. “Quando fiz a mudança hormo- nal, optei por manter o meu útero. Sonho em um dia ser pai e quero ter a minha fa- mília, criar e educar uma criança. Gosto dessa ideia de dar continuidade à vida”. N o Rio de Janeiro, Maria Eduarda foi a primeira advogada transgêne- ra a obter a troca social do nome na car- teira da Ordem dos Advogados do Bra- sil (OAB/RJ). Ela nasceu menino, mas também sempre se sentiu desconfortável nesse gênero. Na adolescência, começou a se questionar e entrou na fase da clan- destinidade quando se vestia escondida com roupas femininas. “Na verdade, a sensação que eu tinha era de identificação com o sexo fe- minino; eu queria ter o cabelo comprido, queria usar roupas femininas, me identi- ficava com personagens femininos. Por mais que meu pai quisesse, eu não con- seguia jogar bola, eu não conseguia bater em ninguém, eu não conseguia ter o es- tereótipo que se esperava de um menino. Ao mesmo tempo, eu não era gay; se eu fosse gay, eu não teria essa identificação com as roupas, com o cabelo, essa identi- ficação física. Mas eu também não sabia que eu era trans; ninguém sabe, não tem uma cartilha. Eu fui descobrindo aos poucos que o que eu sofria tem nome, é catalogado pela ciência. E foi a partir daí que ocorreu a minha transição”, relatou a advogada. Foi com empoderamento que Ma- ria Eduarda contou tudo para a família. “Você tem que se empoderar, porque não é fácil chegar para sua família e falar: ‘Olha, eu não sou um homem, eu quero mudar meu nome’. É complicado, tanto dentro de você como externamente. É preciso saber lidar com o preconceito”. J hordan foi o primeiro guarda muni- cipal trans do Rio de Janeiro. Iniciou sua transição há apenas quatro anos. “Foi através de uma palestra que tomei conhecimento do que era a transexuali- dade. Eu nunca tinha ouvido essa pala- vra. Como eu não me identificava como lésbica, porque a lésbica não tem neces- sidade de ser masculina, existia uma co- brança do tipo ‘eu não sei por que você é assim’, e eu não tinha a resposta”. Aos 50 anos, sua vida foi marcada por histórias tristes. Jhordan já morou nas ruas, tem passagens pelo juizado de menores, algumas internações em mani- cômios e sofreu um estupro coletivo aos 16 anos, quando engravidou. Hoje seu filho tem 33 anos. “Antes da Constituição de 1988, era ainda mais complicado, devido à ‘interna- ção compulsória’. Quem era considerado diferente, por exemplo, a pessoa com de- ficiência e os que se intitulassem como homossexuais, poderiam ser internados. Então eu conheci manicômio, eu conheci a Funabem, fui menino de rua. Eu costu- mo dizer que eu era o cara que tinha tudo para dar errado, mas contradizendo tudo isso, eu estou aqui, e não foi fácil”. “Ao ser internado, primeiro eu fui para o juizado de menores, e de lá fui para um educandário. Mas eu não havia cometido crime ou delito algum. Minha mãe me levava, porque achava que eu es- tava doente. Ela assinava e o Estado per- mitia. Cheguei a tomar choques elétricos durante o ‘tratamento’ no manicômio. Tentei suicídio três vezes”. Não sabia que eu era trans, ninguém sabe, não tem uma cartilha. Eu fui descobrindo aos poucos que o que eu sofria tem nome, é catalogado pela ciência. E foi a partir daí que ocorreu a minha transição “ Tentei suicídio três vezes Jhordan escreveu um livro con- tando sua história. A obra tem o título “EU TRANS: a alça da bolsa, relatos de um transexual”. Histórias de vida como as relatadas acima mostram a luta dessa parcela da sociedade pelo reconhecimento de seus direitos, por uma legislação que a proteja, por mais espaço no mercado de trabalho, pela criminalização da homofobia, por respeito e igualdade. Maria Eduarda Jhordan
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