Revista Magistratus - Número 3 - Dezembro 2017
35 2017 Revista Magistratus PERFIL M agistratus : Aos 78 anos, o senhor continua traba- lhando. Como mantém essa disposição? D esembargador C avalieri : Meu dia a dia é muito regrado. Levanto às quatro horas da manhã, mas vou dormir cedo, por volta das nove horas da noite. Vou para a academia a pé. São pouco mais de duas horas de exercícios por dia, inclu- sive nos fins de semana. M agistratus : O desembargador Cavalieri é conhecido também por ser um grande educador, autor de quatro livros. O senhor considera que a experiência nas salas de aula foi deter- minante para a elaboração dos livros? D esembargador C avalieri : Sim. Eu fui professor da Universidade Estácio de Sá por 40 anos e diretor do curso de Direito por 30 anos. Os três primeiros livros que escrevi são baseados nos programas que eram trabalhados em sala de aula, por isso os nomes: “Programa de Sociologia Jurídica”, “Pro- grama de Responsabilidade Civil” e “Programa de Direito do Consumidor”. E o quarto livro, escrito com o ministro Carlos Alberto Direito, trata do Novo Código Civil. M agistratus : O período à frente da EMERJ foi im- portante na sua carreira? D esembargador C avalieri : A passagem pela EMERJ foi um plus na minha experiência acadêmica. Eu im- plantei na Escola o estudo de casos concretos, que busquei de um sistema de ensino da Alemanha, com os casos tirados da jurisprudência. Não adianta, nos estudos de casos de Direito, você ser um ‘decoreba’. Eu conheci muitos ‘assimiladores de doutrinas’, mas na hora de julgar é preciso ter raciocínio jurídi- co, e não se forma raciocínio jurídico na faculdade. Os alunos vêm para a EMERJ não para fazer um novo curso de Direito, eles vêm para aprender a julgar, para aprender a decidir. E nós levamos isso muito a sério. M agistratus : Como presidente do TJRJ, o senhor completou a informatização do órgão, aumentando a produ- tividade. Mas a obra do prédio onde funcionam as Câmaras Cíveis tem um valor especial para o senhor. Por quê? D esembargador C avalieri : Como presidente do TJRJ, construí a Lâmina III. Quando o prédio estava nas fundações, fiz uma viagem a Israel, onde conheci o Supremo Tribunal daquele país. Naquele prédio, a primeira coisa que vi foi a biblioteca. Aquilo me encantou. De lá liguei para o meu juiz auxiliar, o André Uchoa, e disse: “Quero a biblioteca da EMERJ e a do TJRJ aí, no primeiro andar”. Quando voltei, o novo projeto já estava pronto. Para mim, foi uma realização. M agistratus : Ao longo da carreira, o senhor presen- ciou muitas transformações. Que lembranças ficaram? D esembargador C avalieri : Quando eu entrei para a magistratura, não havia estrutura alguma. Os juízes não tinham secretária. Eles faziam as sentenças à mão. As audiências eram feitas com fichas em papel. Na época, era minha mulher quem datilografava minhas sentenças. Até hoje eu guardo a minha primeira máquina de escrever elétri- ca como relíquia. M agistratus : Como o senhor analisa o Direito no Brasil? D esembargador C avalieri : Uma coisa é o Direito escrito, outra coisa é o Direito aplicado. Nós temos uma estru- tura jurídica boa e que melhorou muito a partir da Constituição de 88. Foi uma constituição revolucionária, cidadã. Mas há uma tendência pós-moderna de querer mudar tudo sem mudar a lei. Fica tudo nos princípios. Isso enfraquece. E quando chega no Ministério Público, é pior ainda. Em certas funções não se pode jogar para a plateia, se dar bem com a mídia. Não se pode quebrar tudo – ética, princípios, normas. M agistratus : Como o senhor avalia o Brasil hoje? D esembargador C avalieri : Eu acho que nos últi- mos doze anos nós tivemos um período terrível em todos os sentidos - econômico, moral, social. Corrupção há desde o iní- cio do mundo, mas corrupção institucionalizada, generalizada, oficializada nunca houve. Isso tirou a esperança, a confiança. Mas eu acho que a operação Lava Jato deu um tranco na socie- dade e no próprio governo. Não se pode gastar mais do que se ganha. Ninguém vai investir dinheiro no Brasil sem segurança jurídica, para perder. Mas eu tenho muita esperança neste Esta- do. O Rio de janeiro é um estado privilegiado, porque é um es- tado pequeno, e éramos a segunda arrecadação. Jogamos tudo fora. Assaltaram a Petrobras. Passou um bando de gafanhotos. Mas é um Estado que, se for administrado com rigor, se recu- pera. Nós temos serra, nós temos mar, nós temos portos. Com seriedade, em dois ou três anos ele toma jeito. É necessário que haja uma boa administração, porque o estado do Rio de Janeiro é a porta de entrada do Brasil. M agistratus : E qual é a sua maior preocupação? D esembargador C avalieri : Eu estou com a minha missão cumprida, mas vou trabalhar enquanto puder. A minha preocupação hoje é com meus quatro netos; os dois mais ve- lhos já são formados em Direito. Eu digo aos meus netos: “Juiz vai ter até o juízo final. Não sei quantos, mas vai ter. É uma profissão na qual você vai poder investir.” Mas certas profis- sões devem ser repensadas; até o Direito tem que ser repensa- do, porque a profissão do futuro é a informática. Comunicação é a nova realidade, é um novo mundo. Outras profissões vão acabar. Xerox, você lembra? M agistratus : E qual seria o caminho para garantir um futuro promissor? D esembargador C avalieri : Qual é a verdadeira ra- zão da desigualdade? Igualdade tem que ser na partida. Não se tem como igualar as pessoas, a não ser na partida. Na chegada não tem mais jeito. E como igualar na partida? Educação. Há 60, 70 anos, a Coreia do Sul era pior que o Rio de Janeiro. E eles estabeleceram um projeto de Estado, não de Governo. E o projeto foi educação, educação e educação.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz