Revista Magistratus - Número 3 - Dezembro 2017

32 Revista Magistratus 2017 “ “ Escrito por Renan Guerra Martha Lemos Insuficiência de recursos ameaça o acesso à Justiça A s inovações programadas pela Lei de Mediação e pelo Código de Processo Civil alimentam a expecta- tiva de solucionar o congestionamento que aflige o Poder Judiciário brasileiro. Contextualizando, segundo o Conselho Nacional de Justiça, cada magistrado jul- gou em média 1.829 processos no ano de 2016, em descompasso com a carga de trabalho de 6.696 processos. Apesar da entrada em vigor dessas leis, a realidade política e econômica en- frentada pelos profissionais representa um obstáculo que não deve ser ignorado pela ciência jurídica. E o ponto nodal con- siste na flexibilização de direitos sociais perpetrada pela subordinação orçamen- tária de órgãos judiciais, que compele os interessados em direção aos outros meios de solução de conflitos. Por conseguinte, o acesso à Justiça deve ser compreendido como indissociável da prática. Para ilustrar o fenômeno estrutu- ralmente, a força de trabalho do Poder Judiciário em 2016 era composta de 145.321 auxiliares, inclusive juízes leigos, conciliadores, terceirizados, estagiários e voluntários. Trata-se de um número expressivo se comparado aos 279.013 servidores e 18.011 magistrados, ou seja, a força de trabalho auxiliar já alcança 32,8% do Poder Judiciário. Os reflexos dessa reforma nas condições de trabalho podem ser ilus- trados pela remuneração por acordo al- cançado prevista (TJ/CGJ nº 73/2016) em R$ 10,00 para os conciliadores e R$ 20,00 para os mediadores – que na prá- tica sequer vem sendo paga. Trata-se de mera ajuda de custo, tímida se compa- rada à tabela aprovada em outubro de 2016 pela OAB/RJ, que prevê a remune- ração de R$ 150,00 em honorários para advogados audiencistas. Sem um quadro de servidores mediadores, a mediação judicial hoje depende da solidariedade de profissionais voluntários altamente qualificados, cujo investimento inicial no curso de formação ministrado em 2017 pelo Tribunal é de R$ 2.810,00. Essas questões não são isoladas e devem ser contextualizadas, pois o Tri- bunal enfrentou em 2016 um atraso no repasse de recursos orçamentários (os duodécimos). Inegavelmente, tal viola- MC/RJ, e o STF decidiu pelo desconto proporcional à frustração de receitas, bem como aventou a busca pelo consen- so. Evidentemente, o corte orçamentá- rio contraria a crescente demanda pro- cessual. Na Justiça Estadual do Rio de Janeiro, o tempo médio de tramitação até a sentença na fase de conhecimento é de 1 ano e 4 meses. Além disso, as dificuldades eco- nômicas que vêm sendo demonstradas devem ser percebidas em conjunto com o fator cultural. Em que pese o índice nacional de acordos judiciais possa se encontrar em ascensão, a homologação de acordos ainda é a exceção. Ocorre que apenas 11% das sentenças na Justiça Es- tadual são homologatórias. Aliás, apesar de ter sido comemo- rado que a Justiça do Trabalho alcan- çou 26% de índice de conciliação, esse número expressivo deve ser observado com cautela. A razão é o voto vencido na ADI 5468/DF pela inconstitucionalidade do desarrazoado corte orçamentário de 24,9% do custeio da Justiça trabalhista. Em outras palavras, segundo o ministro Ricardo Lewandowski, há um desamparo da solução jurisdicional ao ponto de tor- nar imprescindível a solução consensual. De fato, a confiança do jurisdi- cionado se encontra tradicionalmente depositada no processo judicial, com o objetivo de receber uma sentença impos- ta pelo juiz. Esse comportamento pode ser melhor explicado pela microecono- mia: hábitos sociais e falta de publicida- de podem comprometer a ponderação racional acerca das utilidades alternativas dos diversos métodos de solução de con- flitos disponíveis ao jurisdicionado. As ção à separação dos poderes se insere na grave crise do Estado. A legitimidade do TJRJ em defesa de sua autonomia insti- tucional foi reconhecida no MS 34483- As pessoas estão acostumadas a perceber o Judiciário em uma situação de monopólio, como o único prestador de justiça na sociedade, alheias à existência da arbitragem e da mediação extrajudicial

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