Revista Magistratus - Número 3 - Dezembro 2017
17 2017 Revista Magistratus corrupção dentro da Petrobras, e os des- dobramentos todos nós sabemos. Além disso, é um novo estilo de filme nacional, já que o Brasil não tem muitos filmes in- vestigativos, e isso me motivou também. C omo lida com os críticos que alegam ser o filme partidário ? Eu repito incansavelmente que o filme não é partidário, o filme não é contra um partido ou a favor de outro. Eu sempre votei em partidos de esquer- da, sobretudo no PT, pelo tipo de visão que eu tinha do mundo antes, diferente da que eu tenho atualmente. Hoje, eu não vejo mais grande diferença entre esquerda e direita. Inclusive fiz questão de, no final do filme, trazer informações extras, como a informação de que 28 dos 35 partidos políticos registrados no Bra- sil estão envolvidos na Lava Jato, isso é mais de 80%. Q ual foi o maior desafio para produzir o longa ? Do ponto de vista operacional, o filme exigiu muitas locações para grava- ção, e o mais difícil foi produzir as ce- nas de ação, pois no Brasil não há muita estrutura para gravar cenas assim; por exemplo, as estradas não podem ser fe- chadas completamente, etc. De um modo geral, o grande desafio foi em relação ao tema, difícil de abordar, de digerir na tela, tema delicado que envolve muita reflexão, muita releitura para assegurar que a men- sagem que passamos na tela é a mesma que as pessoas então entendendo. Em suma, foi um grande desafio trazer para o público uma história que está na boca de todo mundo todos os dias e contá-la de uma maneira diferente. Q ual é sua cena preferida do filme ? Uma das cenas de que mais gosto no filme é a que mostra um momento de conversa entre a personagem do Júlio César e seu pai. A intenção dessa cena foi descrever um pouco do que acontece na vida de todos nós, ou seja, sempre temos pessoas próximas que têm uma posição política diferente, um pensamento dife- rente, e mesmo assim é possível o debate, ainda que acalorado, sobre o assunto. Q ual foi o orçamento do filme e por que a identidade dos patrocinadores foi mantida em sigilo ? Em torno de 16 milhões de reais. O filme estava desde o início autoriza- do pela Agência Nacional do Cinema a captar recursos através das leis de in- centivo. Mas me senti desconfortável em utilizar “dinheiro público” para um filme que falava do mau uso do dinheiro público, que é a corrupção. Entretanto, precisávamos de um alto valor para pro- duzir o filme, e então saímos a campo para captar recursos. Percebemos que o tema tinha potencial para atrair financia- mentos de investidores privados, o que é muito difícil no cinema. Então este longa foi gravado com orçamento de capital privado, assim como é feito em muitos países. E a não revelação da identidade dos patrocinadores foi por questões de segurança, já que a filha de um empre- sário que investiria no filme – e acabou desistindo - sofreu ameaças de morte. E então os próprios investidores solicitaram uma cláusula contratual de sigilo sobre a identidade, até por conta de retaliações no ambiente dos negócios. Mas tomamos nossas precauções, como o fato de os investidores assinarem cláusulas de com- pliance nas quais afirmam não ter sofrido acusações de corrupção. Além disso, pes- quisamos se eles eram filiados a partidos ou se eram financiadores de partidos. C omo foi a experiência de produzir o filme ? Este filme acabou me transfor- mando. De fato, eu não sou mais a mesma pessoa depois da experiência de ter feito o filme. Não sou nem me- lhor nem pior, mas, com certeza, dife- rente. O longa interferiu nas minhas crenças, nas minhas perspectivas, na minha esperança para o futuro. O filme terá uma segunda edição ? Já estou trabalhando no ro- teiro do segundo filme, com pre- visão de estreia para dezembro de 2018 ou início de 2019. C omo está a indústria cinematográfica no B rasil ? No Brasil ainda não podemos falar que temos uma indústria cinematográfica; estamos tentando fazer cinema. Se não fossem as leis de incentivo, não existiria o cinema nacional, mas mesmo assim ainda é muito difícil. Precisamos brigar por cotas de tela, trazer o público para os cinemas. As pessoas estão querendo ficar em casa, assistir ao Netflix. O cinema no Brasil é caro, não é para todo mundo, e isso é um problema seriíssimo. O acesso à cultura tem que ser um direito garantido a todos. Eu temo pelo futuro do cinema no país. C omo funciona a lei de cotas ? Um grande avanço na legislação brasileira foi a criação da lei de cotas para exibições no cinema brasileiro, que determina que as salas de cinema devem ser preenchidas com um percentual mí- nimo de filmes nacionais. No Brasil há apenas um pouco mais de 3 mil salas de cinema. Nos Estados Unidos, só na cos- ta leste, são 10 mil salas de cinema. O Brasil é um grande mercado consumidor de filme americano. Marcelo Antunez, cineasta
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