Revista Magistratus - Número 3 - Dezembro 2017
11 2017 Revista Magistratus A pesquisa “Estupro Coletivo: Uma Nova Semântica dos Discursos Ju- diciais”, do Núcleo de Pesquisa em Gê- nero, Raça e Etnia (NUPEGRE) da Es- cola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), identificou proje- tos de lei que tramitam no Congresso Nacional, analisou obras de sociólogos e antropólogos e examinou documentos das decisões judiciais entre 2009 e 2017, com o objetivo de identificar as semân- ticas do estupro coletivo. A pesquisa foi apresentada na reunião do Fórum Per- manente de Violência Doméstica, Fami- liar e de Gênero da EMERJ, no dia 14 de setembro, pela presidente do Fórum, juíza Adriana Ramos de Mello, e pela pesquisadora e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnolo- gia do Rio de Janeiro (IFRJ) Lívia Paiva. Um dos objetivos do estudo foi identificar de que forma o Tribunal de Justiça julga os casos de estupro coleti- vo e quais são os elementos indicadores. “Queríamos saber se é possível identi- ficar alguns sinais de discriminação de gênero nas decisões de estupro coletivo, porque nas de estupro já sabemos que existe”, disse a pesquisadora. “Analisamos se ainda existiam ras- tros dos discursos patriarcais nas decisões. E nós encontramos situações bem tristes, como uma vítima sendo qualificada como ‘fulana de tal, recatada’, o que qualifica a vítima como uma ‘vítima confiável’”, res- salta Lívia Paiva, ao constatar que se trata de uma questão social e cultural presente no Judiciário. “A moralidade da mulher foi e ainda é controlada por uma série de aparatos sociais, jurídicos, culturais e reli- giosos que se articularam historicamente e disciplinaram os corpos e a sexualidade feminina”, ressalta a professora. “No Judiciário, nós associamos muito o estupro com a lascívia, mas descobrimos com a pesquisa que o es- tupro está muito mais ligado à violên- cia do que ao desejo sexual de um ho- mem”, destacou Lívia. A pesquisa usou alguns marcos teóricos que trabalham com a questão da masculinidade. Segundo a pesquisa- dora, a referência das mulheres são as princesas da Disney, e os meninos têm o personagem Rambo e vários homens viris que servem como exemplo do que é a identidade masculina. Assim se cons- truiria a estrutura simbólica de gênero. “Quando se tem um estupro, violenta-se alguém para obter um patrimônio. O es- tupro é algo de si mesmo para si mesmo. Se tem alguma finalidade, ela é obtida dentro daquele mesmo ato, uma estru- tura de poder. Nos estupros simples, o agente quer só se esconder com a víti- ma. No estupro coletivo, esse homem se comunica com outros homens através da vítima, pela sua afirmação de virili- dade no bando. Nós concluímos que o que diferencia o estupro coletivo é que, normalmente, ele quer ser mostrado, há uma questão de publicidade no estupro. Quando os agentes filmam tudo e com- partilham em redes sociais, eles querem afirmar e fixar esse ato no tempo e no espaço. Querem enviar para outras pes- soas e guardar aquilo como uma prova do seu ato de virilidade. É uma questão para ficar registrada no tempo e para se espalhar no espaço”, concluiu Lívia. A juíza Adriana Ramos de Mello, que coordenou a mesa de debates, ex- plicou que a ideia da pesquisa surgiu a partir do caso do estupro de uma menina de 16 anos na comunidade do Barão, na Praça Seca, Zona Oeste do Rio, no ano passado. O crime ganhou repercussão internacional depois da divulgação nas redes sociais de um vídeo gravado por um dos acusados, e pela suspeita de a vítima ter sido abusada por mais de 30 homens. Sete rapazes foram indiciados. Apenas três foram denunciados pelo Mi- nistério Público e condenados a 15 anos de prisão em regime fechado. Dois estão presos. O terceiro está foragido. “Há uma questão que a pesquisa tentou responder, e eu confesso que ain- da não tenho clara a resposta: seria ne- cessário uma tipificação específica para estupro coletivo tal como o feminicídio? Nós fizemos uma pesquisa e identifica- mos que os casos de feminicídio ficavam ali nos casos de homicídio e acabavam se perdendo nos dados de estatísticas. Hoje, com o feminicídio, nós já conseguimos vislumbrar alguns dados. Será que se- ria o mesmo caso do estupro coletivo? Quais são os elementos que o Tribunal tem identificado para caracterizar o estu- pro coletivo? Quais são os conceitos que esses juízes e juízas eventualmente estão utilizando? É possível identificar alguma discriminação de gênero nessas decisões? Existem indicativos de que se usam este- reótipos de gêneros? ” Com esses ques- tionamentos, Adriana Ramos de Mello ressaltou a importância da educação judi- cial voltada para esse tipo de julgamento: “Quando não se dá uma resposta judicial, fomenta-se a cultura do estupro”. O que diferencia o estupro coletivo é que, normalmente, ele quer ser mostrado, há uma questão de publicidade no estupro “ “ Pesquisa da Emerj analisa decisões judiciais
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