Revista Magistratus - Número 2 - Setembro 2017
32 Revista Magistratus 2017 Espaço Aluno Escrito por Rafael Frias Cabral de Moraes Reis Uma conversa entre o Judiciário e a sociedade V ivemos em uma sociedade na qual se confia mais em juízes do que em políticos. Contrariando a lógica clássi- ca de uma democracia formal, no Brasil, servidores públicos não eleitos acabam por dar a palavra final a respeito de temas controversos da política nacional. Isso decorre, em alguma medida, da própria falta de representatividade dos poderes eleitos. O que se vê é que deputados e senadores acabam deixando em segundo plano os programas da sociedade como um todo, o que faz com que o povo nu- tra pelos poderes majoritários um efeti- vo descrédito, ceticismo e insatisfação. Não por outro motivo, em locais nos quais o voto é obrigatório, como no Bra- sil, o percentual de eleitores que vai às urnas tem sido cada vez menor 1 . Entre os que votam, poucos são capazes de se recordar em quem votou nas últimas eleições parlamentares. Impera, portan- to, um sentimento de disfuncionalida- de que tem permeado a classe política, muito impactada com as denúncias de corrupção e com os acordos de delação premiada que estampam no noticiário. 1 A título de exemplo, analise-se a eleição para a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro em 2016: Dos 4.898.044 de eleitores cadastrados na justiça eleitoral, o atual prefei- to conseguiu ser eleito com 1.700.030 votos. O segundo colocado angariou 1.163.662 votos, número que é infe- rior ao próprio montante de eleitores faltosos, qual seja, 1.314.950. Os votos em branco somaram 149.866; e os nulos, 569.536. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/ eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleico- es-2016>. Acesso em: 28 mai. 2017. Essa crise de legitimidade dos po- deres que estariam, em tese, legitimados pelo voto fez com que existisse uma real expansão do Poder Judiciário. No Bra- sil, por exemplo, diversas pautas, cuja discussão deveria ser verticalmente em- preendida nas instâncias políticas tradi- cionais, chamaram muito mais atenção da sociedade quando a matéria alcançou as portas do Supremo Tribunal Federal (STF). Cite-se o caso da lei de biossegu- rança, que é o diploma legal por meio do qual se permitiram as pesquisas com células-tronco embrionárias. Durante a sua tramitação no Congresso, pouco se falou sobre o projeto. Quando a lei julga- da constitucional e televisionada pela TV Justiça, o debate no país se instaurou. A própria Constituição passou a ser mais debatida nos noticiários e nas ruas. O Judiciário ficou bem mais próximo dos problemas sociais, sendo mais requisita- do a resolver inúmeros tipos de conflito. Nesse contexto, o juiz moderno, mesmo não sendo um agente público legitimado pelas urnas, passou a promover a comple- tude do ordenamento jurídico nas hipóte- ses de omissão inconstitucional do legis- lador, atendendo aos anseios e demandas sociais não satisfeitas, tempestivamente, pelos parlamentares ou pelo Executivo. Aliás, se analisarmos a jurisprudência do STF, veremos que inúmeros foram os ca- sos em que a corte constitucional brasilei- ra, num contexto de paralisia dos poderes eleitos, teve de prestar a jurisdição escu- tando a voz que vinha das ruas e concre- tizando anseios do povo que eram letra morta na Constituição de 1988. Como primeiro exemplo 2 , pode-se mencionar a decisão do STF que asseve- rou a proibição do nepotismo nos três poderes. Pelo conhecimento conven- cional, seriam exigíveis lei federal e leis estaduais para impor esse tipo de restri- ção. Contudo, após um largo aguardo da sociedade civil, como as leis não vinham, a corte constitucional teve que imple- mentar tal vedação, sob o argumento de que o nepotismo violava o princípio da impessoalidade e o da moralidade admi- nistrativa. Um segundo exemplo 3 pode- ria ser aquele atinente à fidelidade parti- dária, em que o STF determinou a perda do mandato do parlamentar que trocasse de partido, uma vez que a troca impli- caria burla ao princípio democrático. Tal acórdão veio ao encontro da sanatória de uma das grandes queixas da sociedade, qual seja, a mudança constante de parla- mentares de um partido para outro. Em- bora existentes as reclamações, o parla- mento não aprovava a lei restringindo essa conduta. 2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIN n. 1.261. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Disponível em: <http:// www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento. asp?incidente=1612358>. Acesso em: 31 jul. 2017. 3 Idem. Supremo Tribunal Federal. MS n. 26.604. Rela- tora: Ministra Cármen Lúcia. Disponível em: <http:// www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento. asp?incidente=2514122>. Acesso em: 31 jul. 2017.
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