Revista Magistratus - Número 1 - Junho 2017

25 2017 Revista Magistratus “ pelo Ministério Público e trouxemos no barco, de volta para Macapá, esse abu- sador, no andar de cima, e a menina, no andar de baixo, para ser encaminhada a um abrigo. magistratus : C omo esses grupos re - solvem seus conflitos , na ausência do judiciário ? GAULIA: Se o Judiciário não se faz pre- sente, sempre vai surgir uma outra “au- toridade” nessas comunidades para so- lução dos conflitos, como por exemplo, nas comunidades das grandes cidades e periferias, há outros atores não oficiais que resolvem esses conflitos. É do co- nhecimento geral que nas favelas há “au- toridades extraoficiais”, que atuam de forma radical, exercendo as competên- cias do Judiciário. O exemplo do jorna- lista Tim Lopes é um marco dramático em que essa parajudicialidade prendeu, julgou e executou. E por isso a impor- tância da Justiça Itinerante: afastar outras personas que incorporam o nosso papel de juízes e resolvem os conflitos ao alve- drio da lei. Nas comunidades indígenas, há lideranças que são os Tuxauas. Eles, na ausência do juiz, resolvem os confli- tos. Um exemplo clássico dos indígenas é quando um índio traz bebida alcoóli- ca para a aldeia. Explico: os índios não devem beber, pois a bebida alcoólica é considerada desagregadora do coletivo. Dessa maneira, quando isso ocorre é vis- to como um crime grave e gera conflitos sobre os quais não temos conhecimento. No entanto, há uma autoridade local que vai punir aquele que é descoberto com a bebida, já que para eles, o produto é per- verso para a organização coletiva. MAGISTRATUS: E ssas questões culturais atrapalham o trabalho do juiz ? GAULIA: Isso não deveria ocorrer. O juiz tem que ir até essas comunidades para aprender também a ter uma escuta aberta para aquele que é diferente. Faz parte do perfil do novo magistrado ir até o seu jurisdicionado, porque assim co- nhecerá a realidade dele. O juiz deve es- tar atento aos anseios da comunidade e, se houver algum empecilho, ele tem que buscar ultrapassá-lo. Por exemplo, nas questões de interdição, existem alguns doentes que não vestem roupas, e por isso não podem ser trazidos ao fórum, mas no ônibus da Justiça Itinerante eles entram sem camisa, sem sapato. O juiz que olhe para aquele jurisdicionado doente como se ele estivesse desrespei- tando o Judiciário, esse juiz não estará prestando a jurisdição como deve. Há jurisdicionados que precisam ser vistos por uma ótica diferente. MAGISTRATUS: P oderia nos contar sobre a tese de doutorado que está escrevendo ? GAULIA: Estou cursando doutorado e minha tese é sobre o juiz no neocons- titucionalismo: uma visão do Direito Constitucional que estabelece o dever do juiz de garantir os direitos fundamen- tais à população, nos locais em que ele exerce o seu munus. É exatamente sobre o que eu falava anteriormente, ou seja, é claro que o juiz deve atuar nas ações que chegam aos fóruns, mas existem muitos grupos que estão fora desse circuito, que não chegam ao fórum. Estudo o papel do juiz da Justiça Itinerante nesse novo constitucionalismo, já que a Constituição Federal não é meramente uma tábula de direitos retóricos, mas na verdade, um norteador para o juiz, o que está ali tem que ser pragmatizado, concretizado. Em suma, os direitos que estão na Constitui- ção não são enfeites, mas garantias que devem ser concretizadas na vida das pes- soas. O juiz, nesse novo momento que estamos vivendo, tem que enxergar os invisíveis, os transparentes. Essa imobi- lidade do juiz a qual muitos se referem - o juiz que fica numa torre de marfim, inerte num castelo – vai além do que a grande maioria dos doutrinadores enten- de. É claro que ele tem que expandir a aferição dos direitos fundamentais, mas mais do que dentro do processo, ele tem que ir ao lugar onde as pessoas precisam dele, e só faz isso aquele juiz que tem a consciência de que a comunidade onde ele atua é uma comunidade formada por vários grupos diferenciados. MAGISTRATUS: O juiz neoconstitucional é um juiz sensível às novas questões do mundo ? GAULIA: O juiz do século XXI é aque- le consciente dos fatos que acontecem na sociedade onde ele judica. Eu até diria que ele precisa ser um juiz da co- munidade, muito mais do que da socie- dade, pois o magistrado da sociedade me parece uma ideia que o mantém muito protegido, e o juiz inserido na comuni- ENTREVISTA O juiz tem que ir até essas comunidades para aprender também a ter uma escuta aberta para aquele que é diferente. Juiz e promotor realizam uma audiência no barco no Amapá “

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