Revista Magistratus - Número 1 - Junho 2017
23 2017 Revista Magistratus ENTREVISTA A magistrada nos contou sobre a experiência vivenciada em Roraima, quando participou da Jornada da Justiça Itinerante do TJRR, realizada no Município de Uiramutã, no extremo norte do país, na fronteira com a Venezuela e a Guiana, há mais de quatro mil quilômetros do Rio de Janeiro. Uiramutã é o município brasileiro com maior concentração de etnias indígenas: dos oito mil habitantes, 88% são índios, segundo o IBGE. Com um dos IDHs mais baixos do país, a região vive de forma muito simples. Para acompanhar a equipe de Roraima e chegar até lá, foi necessário vencer locais de difícil acesso com estradas precárias e, muitas vezes, pedir permissão para entrar nas aldeias aos chefes indígenas locais (os poderosos Tuxauas). A magistrada visitou entre os dias 3 e 7 de abril comunidades localizadas na Reserva Raposa Serra do Sol e participou do trabalho de assistência aos indígenas das etnias Makuxi, Ingarikó e Patamona. Além do trabalho realizado no Rio de Janeiro, nas comunidades e favelas, Gaulia já participou da Justiça Itinerante Fluvial realizada no Amapá, no Arquipélago do Bailique, que atende a população ribeirinha, e na Vila Mimosa no Rio de Janeiro, atendendo prostitutas. A entrevistada desta 1ª edição da Magistratus fala sobre as experiências em Roraima, a importância de projetos que promovam o encontro dos juízes com a cidadania, a prestação jurisdicional fora dos fóruns, sobre o papel do juiz do século XXI, dentre outras questões. Confira. MAGISTRATUS: O que a motiva a sair do fórum e coordenar essa prestação jurisdicional diferenciada ? GAULIA: Os noticiários a todo mo- mento estampam manchetes sobre a so- brecarga de processos no Judiciário. E é uma realidade: todos os colegas de 1º e 2º graus, e até mesmo os ministros dos tribunais superiores, trabalham exces- sivamente devido à grande quantidade de conflitos, das mais variadas espécies. Essa conflituosidade da sociedade con- temporânea decorre da globalização, da massificação e da financeirização, e está em todos os países do mundo, que vi- vem esses processos de modificação so- cieoeconômica. A vida está se transfor- mando em todos os lugares do mundo e isso gera conflitos, o que endossa o número de processos que chegam atual- mente ao Judiciário, mormente ao Judi- ciário brasileiro, pois o Brasil é um país com uma população muito diferenciada. Apesar de todo esse acúmulo de proces- sos e da enormidade de ações que dia- riamente ingressam nos tribunais, ainda assim há um expressivo contingente de brasileiros que, por incrível que pareça, não têm acesso ao Judiciário - e eu não falo do acesso à Justiça, que é um mo- mento posterior - esses grupos da popu- lação sequer chegam aos fóruns. Dessa maneira, nós, magistrados, devemos ir ao encontro dessas pessoas. Não só os juízes, mas toda a família do Judiciário – juiz, promotor, defensor, oficial de jus- tiça, assistente social, servidor - precisa ir até aquela pessoa que necessita ter asse- gurados seus direitos fundamentais. É o que me motiva. MAGISTRATUS: E por que essas pessoas não têm acesso ao judiciário ? GAULIA: Em primeiro lugar, por- que temos uma disparidade de renda nos grupos sociais muito grande, que se soma a outras disparidades, como o grande número de analfabetos e também o analfabetismo funcional, ou seja, pes- soas que não conhecem os seus direitos e não entendem, nem quando esclareci- das, aonde devem ir para garantir tais di- reitos. E essas pessoas, via de regra, não têm sapatos nem roupa adequada para entrar nos fóruns, onde estão, por exem- plo, as defensorias públicas. Além disso, as pessoas nos temem, elas têm medo do juiz. Há também aqueles que o Judiciário não enxerga: grupos minoritários e invi- síveis, como é o caso dos indígenas, dos presidiários e das prostitutas. Os índios estão, na sua maior parte, no Norte e no Nordeste do Brasil, na região amazôni- ca, mas também há grupos indígenas no Estado no Rio de Janeiro, como os que vivem em Parati. São pessoas que não se deslocam das suas aldeias para irem ao fórum. Presenciei isso em Roraima. O mesmo ocorre com os moradores das comunidades e territórios no Rio de Janeiro (favelas), e em outras grandes cidades brasileiras. O morador da co- Mãe Ianomani com seus filhos em Roraima.
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