Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 82-104, Jan.-Abr. 2023  97 da socioeducativa (já que destruição de patrimônio público con- figura ato infracional). Entretanto, assim que pôde, Kayllane S. fugiu do sistema e hoje continua fora da escola. Outro exemplo de uma inclusão escolar fracassada é Jen- nifer X., que chegou ao Dandara aos 16 anos, acompanhada de uma colega. Bonita e articulada, essa adolescente vinha de uma família para a qual o uso de drogas ou qualquer outra substância ilícita era permitido. Entretanto, quando ela resolveu seguir pelo mesmo caminho, a família lhe virou as costas, o que a levou a procurar as ruas para satisfazer sua necessidade. Inevitavelmen- te, o caminho encontrado foi o do tráfico de drogas. Em sua trajetória, Jennifer X. passou pelas etapas de “coru- ja”, “avião”, “soldado” e “mulher” do tráfico 2 . Chegou ao acolhi- mento suja e faminta, depois de levar uma surra e ser expulsa da comunidade que habitava, sob risco de vida. Sua (tentativa de) inclusão escolar emblematiza a situação vivenciada por tantos outros jovens e os procedimentos institu- cionais usualmente adotados para com estes. Atravessada por preconceitos arraigados, metodologias antiquadas e problemas estruturais, a escola apresentou uma baixa receptividade à situ- ação da adolescente, a qual, após determinado tempo, sem con- seguir alcançar um desempenho satisfatório, acabou por desistir. Sem um foco definido para onde direcionar suas habilidades – as atividades escolares e paraescolares não eram capazes de manter seu interesse – e sentindo-se em desvantagem diante de uma tur- ma mais nova que ela, Jennifer X. optou por retornar ao ambiente no qual se sentia dominante: o tráfico. Uma escolha que acabou por interferir na sua própria permanência no abrigo, levando-a a evadir. Essa não adesão às propostas educacionais não é in- comum e reforça uma conduta “expulsiva” para com os alunos considerados “problema”, tornando Jennifer X. mais uma entre tantas nessa estatística.  2 No linguajar do tráfico, “coruja” é olheiro, “avião” é mensageiro e/ou entregador, “soldado” é aquele que defende a facção, dispondo-se a lutar e a morrer – conquistando, nessa posição, o privilégio de usar armas ostensivamente. Já a “mulher”, geralmente está associada à posição que ocupa na vida amorosa de seus líderes.

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