Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 82-104, Jan.-Abr. 2023  95 ação em cadeia, na qual, a cada repressão, a menina respondia reativamente com maior intensidade. E a tal ponto que, apesar de todas as intervenções efetuadas pelos diversos órgãos compe- tentes, não se obteve um resultado satisfatório, o que culminou no seu acolhimento. Quando Kayllane S. chegou ao abrigo não era sequer al- fabetizada. Sua revolta pelo abandono da figura materna era grande e explosiva, encerrando violentos acessos de raiva. Grande parte de sua frustração era canalizada para a comida, mas quando contrariada ou se dava conta da inércia da geni- tora para reavê-la, seus assomos se tornavam virulentos. Essa dificuldade de convivência se estendia a todas as relações in- terpessoais, mas, sobremaneira, afetava sua convivência nos espaços escolares – onde era cobrada por um desempenho para o qual não foi preparada. Assim, a adolescente se converteu em um enorme proble- ma na escola. O fato de ter sido colocada em uma turma com crianças menores – pois, apesar de não ser letrada, não tinha ida- de para seguir para turmas direcionadas à educação de jovens e adultos – e que compareciam acompanhadas por seus fami- liares, potencializava sua agressividade. Os professores, por sua vez, não conseguiam contornar a situação quando a adolescente ficava contrariada e, em sua frustração, reagia. Seus comporta- mentos autorreferenciados e sem qualquer senso crítico foram assumindo um caráter de rejeição crescente e sem qualquer con- trole que lhe impusesse limites. Dessa forma, para ela, era legí- timo pegar para si o alvo de seu interesse (como, por exemplo, o lanche do colega) ou agredir quem se interpusesse entre seu objeto de desejo (sem levar em conta seu tamanho e força). Além disso, uma vez que apresentava dificuldade em se concentrar ou apreender o que se ensinava, procurava meios de se fazer notar e afastar o tédio, circulando pela sala e desviando a atenção de todos – o que, inevitavelmente, causava tumultos e paralisava as aulas. Sem qualquer avaliação ou mediação que pudesse en- volvê-la nas dinâmicas da aula, seu comportamento foi rotulado

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