Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 82-104, Jan.-Abr. 2023 92 Aos 16 anos, Manu E. decidiu assumir para o público uma nova identidade de gênero, surpreendendo a todos. Sua família, contudo, não aceitou a repentina quebra de paradigmas e expec- tativas cultivadas. Agredida e expulsa de casa, a adolescente foi acolhida pela escola, que acionou os órgãos competentes, bus- cando um lugar para abrigá-la. Apesar de acolhida muito distante de sua zona de convi- vência, Manu E. não deixou de ser acompanhada pela escola, a qual manteve sua matrícula e sempre esteve disponível para ela – sua vaga nunca foi indisponibilizada, tendo permanecido em sua escola até a finalização do ensino médio. Aparceria com a es- cola foi essencial para seu suporte psíquico, mesmo sendo acom- panhada por apoio psicológico externo – durante o período do acolhimento, foi apadrinhada por professores e chegou a desen- volver atividades remuneradas para eles. Esse esforço conjunto teve como resultado a aprovação da adolescente em seu primeiro Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para uma instituição pública renomada. Já Gabrielle S. era uma adolescente de 14 anos quando chegou ao acolhimento encaminhada pelo Conselho Tutelar após ter sido “devolvida” pela família dos padrinhos que deti- nham sua guarda. Embora fosse criada desde pequena pelos padrinhos, ques- tões mal resolvidas envolvendo sua entrega pela família de origem afloraram quando chegou à adolescência. Emmeio à crise existen- cial que vivenciava, Gabrielle S. passou a assumir comportamen- tos contestatórios (especialmente contrapondo-se a uma das filhas do casal que a criava) e autodestrutivos (cortando-se quando an- siosa ou deprimida). Asituação veio a piorar quando passou a uti- lizar drogas. Sem o auxílio de um tratamento adequado, Gabrielle S. reincidia nos sintomas, ao ponto de culminar em uma tentativa frustrada de suicídio. Assustados e sem conseguirem lidar com a situação, os guardiões a entregaram para um órgão de proteção. Quando a adolescente chegou ao abrigo, encontrava-se de- pressiva – não se expressava com os demais e se automutilava
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