Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 82-104, Jan.-Abr. 2023 91 poucas palavras. Seu entendimento também era limitado, com uma idade mental aquém da idade física. Tão logo a adolescente adquiriu ummínimo de autonomia, o abrigo buscou inseri-la na escola, pois, apesar de suas dificul- dades comunicacionais, era imprescindível que vivenciasse o ambiente da comunidade escolar, interagindo e se socializando com o maior número possível de pessoas, a fim de incentivar sua inclusão social. Assim, visto que não sabia ler e escrever, após os trâmites necessários, Glória C. foi alocada em uma turma do primeiro ano fundamental. Esse acordo, contudo, esbarrou em inúmeras dificuldades operacionais que precisaram ser superadas. Muitos pactos foram necessários para tecer uma logística que contemplasse todas es- pecificidades inerentes ao caso, o que incluiu alianças com dife- rentes esferas – desde a Vara da Infância, Juventude e Idoso, o Ministério Público e a Defensoria Pública até as Secretarias Mu- nicipal de Educação, de Saúde e de Desenvolvimento Social. Um dos efeitos foi a disponibilização de vaga para Glória C. em uma unidade escolar mais próxima com a assessoria de uma mediadora. Para além disso, as reuniões frequentes entre escola e instituição de acolhimento propiciaram uma gradativa inclusão da adolescente, que, apesar de não apresentar, em um primei- ro momento, avanços na linguagem escrita, pôde socializar no ambiente escolar e desenvolver outras potencialidades. Apesar das diferenças cognitivas, da defasagem de idade e mesmo da eventual ausência de uma mediadora, ela foi gradativamente in- cluída na dinâmica da sala de aula, apoiada pelos demais alunos. E de tal modo, que quando atingiu a idade para ser inserida na Educação de Jovens e Adultos (EJA), pôde ser negociada sua per- manência no turno diurno e na turma que frequentava. Diferentemente de Glória C., abrigada devido à negligência familiar decorrente da incapacidade de lidar com a deficiência da adolescente, Manu E. nunca apresentou limitações de ordem cognitiva ou física. Amotivação de seu acolhimento foi a rejeição de sua opção sexual transgênero.
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