Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 40-54, Jan.-Abr. 2023 47 Nenhuma ordem pode suprimir os meios necessários à vida. Antecedente à concepção de Direito e à construção do mundo e da cultura, as necessidades humanas, dentre as quais a água, em quantidade mínima para a sobrevivência, é interesse vital. Não se trata de direito natural, mas de necessidade natu- ral de coisa inalienável e indispensável à subsistência, tal como o ar atmosférico. A regulamentação da captação de água doce no Brasil, edi- tada na esteira da nova ordem mundial e do neoliberalismo que a acompanhou nos anos 90 do século XX, transmudou o serviço de prestação de fornecimento de água em alienação do próprio bem. Assim, a água potável passou a ser mercadoria, quando anteriormente o que se cobrava era tarifa pelo serviço de trata- mento e transporte até a unidade consumidora, ou seja, o que se cobrava anteriormente era o serviço de abastecimento, e não o próprio produto. Água, em quantia mínima necessária à sobre- vivência, é um bem comum à humanidade. Mas os direitos demandam a ponderação de Maurice Hau- riou, para quem “ não basta que um direito seja reconhecido e declara- do. É necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será discutido e violado ” (Hauriou, 1968). A alteração da natureza dos bens de comuns para privados ou estatais, porém exclusivos dos titula- res, com possibilidade de transformação de sua natureza para mercadoria, implica a transmudação da natureza de sua apro- priação: exclusiva por uns – ainda que entes estatais – em preju- ízo de outros. A alteração da natureza da terra no Brasil se operou por força da Lei nº 601, de 1850 (Brasil, 1850), que lhe atribuiu a na- tureza de mercadoria. Tal como a mercantilização da terra com a Lei nº 601, de 1850 (Brasil, 1850), tivemos a mercantilização da água com a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 2 (Brasil, 1997), que, em seu art. 1º, II, dispôs que “ a Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos 2 Água como mercadoria e a luta dos movimentos sociais pelo acesso à água no Pontal do Paranapanema. OLIVEIRA, Jaqueline da Silva e CARVALHAL, Marcelo Dornelis. http://www.proceedings.scielo.br/ scielo.php?pid=MSC0000000142012000100005&script=sci_arttext
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