Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 130-146, Jan.-Abr. 2023  143 tura crítica é necessária ao refletirmos sobre a Reforma Penal de 1984, que traz à baila princípios norteadores de individualização e ressocialização – correndo o risco de recair na ideia de “trata- mento penal”, sobretudo quando vem alinhado ao ofício. IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que o trabalho, ao mesmo passo que é tido como o bem maior da humanidade, conferindo dignidade e respeito ao cidadão, também é usado como punição e como um método restaurativo. Essas sentenças nos revelam a intensidade com que era cunhado o dogma do trabalho na nossa cultura. Nota-se que o trabalho e a ociosidade emergem num mesmo discurso como duas faces de uma mesma moeda. Tudo aquilo que foge ao tra- balho se torna associado também à criminalidade. Isso se deu no imaginário popular de uma forma tão intensa que passou a cons- tituir também a legislação da jurisprudência penal. Entretanto, apesar das reformulações na legislação, as reverberações desse estigma ainda ecoam. Desse modo, uma vez que a lei exigia que a população fosse produtiva e marginalizava até mesmo a improdutividade, acabou por oferecer respaldo para a perpetuação dessa visão em outros níveis da sociedade. Por mais que muitas sentenças legais já tenham sido extintas, sabemos que ainda residem na mentali- dade contemporânea. A respeito dessa temática, Santos afirma: Os enunciados legais são atravessados por poderes que mui- tas vezes escapam ao controle dos agentes da justiça e se co- municam com outros discursos e práticas, advindos de outras instâncias que não a jurídica. Eis o alcance e o poder discursi- vo do texto legal. (SANTOS, 2016, p. 113) Portanto a mentalidade que legitima os mecanismos dis- ciplinares relacionados à atividade laboral está impregnada em nossa sociedade como um todo: na culpa que sentimos ao nos dedicarmos a um hobby enquanto as demandas nos esperam; na pouca honra concedida a cursos de formação dedicados às artes e à filosofia; no desprezo e na invisibilidade conferidos aos mo-

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