Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 130-146, Jan.-Abr. 2023  136 A escravidão foi supracitada como base da economia ate- niense – como também em grande parte do globo. Dessa forma, muitos deveriam manter o rosto voltado para a terra, para que alguns pudessem erguer os olhos e contemplar as estrelas. De todo modo, a nossa sociedade não se distancia muito desse mo- delo: é uma massa de trabalhadores que mantém o privilégio de poucos. O que nos distingue está mais para um “refinamen- to da prática” que – em vez da força bruta – passa a se utilizar da interiorização de discursos moralistas, de forma a manter a ordem estabelecida. Uma vez que as pessoas acreditam que no muito trabalhar estão mantendo a dignidade, a exploração passa a ser voluntária. Antes, o trabalho era visto como algo pejorativo que atra- palhava os homens a atingir uma vida plena, necessitando da força bruta para manter escravos em produtividade. Contudo, com esse refinamento (característico das sociedades modernas) das técnicas de poder – para usar uma expressão de Michel Fou- cault –, não é mais necessário que haja um capataz segurando um chicote para manter produtividade, pois quem estala o chico- te é a nossa própria consciência, que nos acusa, que nos impele e nos domina. Nós nos tornamos, de algummodo, nossos próprios algozes. Logo, não é apenas questão de dizer que algumas socie- dades antigas valorizavam o ócio e a nossa não. Ocorre que, uma vez que todos os homens desejam o ócio, é necessária a força para mantê-los produtivos. Entretanto, se o trabalho é incutido no ideário comum como a essência dignifi- cadora do ser, essa servidão exaustiva se dá de um modo muito mais dócil – sobretudo quando aliada ao medo do desemprego, intensificado em momentos de crise. Mantendo em nosso con- texto, poderíamos compreender esse processo como resultado do refinamento das técnicas de poder em Foucault, como produ- to daquilo que ele chamou de técnicas disciplinares. Essas “tecnologias de poder” que emergiram juntamente com a revolução industrial foram capazes de elevar por demais a produtividade humana através de uma generalizada docilização