Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 130-146, Jan.-Abr. 2023  133 De todo modo, não se pode deixar de notar que o conceito de ócio se constituiu historicamente em nossa sociedade de forma pejorativa e pelo negativo, ou seja, por aquilo que ele não é – e “negativo” aqui, ressalto, se refere àquilo que se constitui pela fal- ta, que se é concebido pelo contraste. Podemos fazer uma aproxi- mação didática com a fotografia: antigamente, ao fotografar com uma câmera analógica, utilizava-se o filme contido nela para re- velar a fotografia. O filme também pode ser chamado de “negati- vo”, pois os claros e escuros da imagem real são gravados nele de forma invertida. Desse modo, o filme é o “negativo” da imagem real, é o seu contraste, e um só é concebido a partir do outro. As- sim também o conceito “ócio” foi constituído na nossa sociedade, pois só possui sentido dentro de seu contexto sociocultural. Daí surgem as seguintes configurações: trabalhadores/ vagabundos; atividade/inatividade; potente/impotente, dentre muitos outros pares de opostos maniqueístas, baseados numa oposição entre o bem e o mal. E é assim que diversas ativida- des que não geram um retorno financeiro ou não são capazes de produzir algo são todas açambarcadas na caixinha inútil e dege- nerada da ociosidade. Muitas vezes, lá se encontram entulhados bons livros, o dedilhar de um violão ao cair da tarde, as artes, a contemplação, por exemplo. De todo modo, nem sempre foi assim. Antes da Idade Mé- dia, o ócio e o trabalho continuavam articulados, contudo as cargas positivas e negativas eram invertidas, ou seja, o ócio era almejado, enquanto o trabalho era considerado algo inferior. A palavra “trabalho”, inclusive, deriva do latim tripalium, que era um tipo de instrumento de tortura que os romanos usavam para empalar os soldados, ressaltando, assim, o valor pejorativo que era atribuído ao trabalho nos tempos antigos. Podemos tomar como exemplo os gregos, cuja influência no ocidente é inegável: foram os trezentos mil escravos da Ate- nas de Péricles que permitiram aos quarenta mil homens livres dedicarem-se à política, às artes e à produção de conhecimento (DE MASI, 2000). Não legitimando a escravidão que baseava a

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