Revista da EMERJ - V.25 - n.1 - Janeiro/Abril - 2023
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 105-129, Jan.-Abr. 2023 121 Esse é um ponto interessante: quando há lacunas na norma, ou vácuos de eficácia normativa, há a possibilidade de se lesio- nar gravemente direitos e garantias fundamentais. De maneira afrontosa à dignidade humana, pode se preencher os espaços e se subverter a proteção dos direitos previstos nos dispositivos constitucionais. Isso é perigoso principalmente quando uma sociedade en- frenta crises econômicas, porque a pobreza amplifica o estado de necessidade. Onde falta a possibilidade do exercício da vida com dignidade, abre-se o espaço para a internalização de ideias que atingem o cerne da democracia e que desmontam a necessidade de se efetivar a dignidade humana. Quanto a isso, diferentemente do que alguns pretendem fazer crer, da existência de normas e da instituição de fisca- lização sobre o cumprimento dessas não deriva a implicação de retrocesso de desenvolvimento, tampouco de elevação de custos. Pelo contrário. Verifica-se que o progresso se efetiva no real sentido da palavra porque o índice de desenvolvimento humano tende a aumentar ao mesmo tempo em que se impede o retrocesso social e histórico das práticas violadoras de direi- tos humanos. O volume de dados humanos a que se tem acesso hoje por meio das bases de dados públicas e das bases de dados privadas é da ordem de bilhões de registros. O avanço das técnicas com- putacionais permite a extração, o rápido cruzamento dessas in- formações, a inferência e a predição a tal ponto que o indivíduo se torna um ser consumido por modelos estatísticos e econômi- cos que valoram os dados pessoais como um dos principais ati- vos. Muito mais do que isso: o ser humano em si é transformado numa unidade de dados consumível. Sobre dados em que se aplicam procedimentos e funções objetivas para se concluir quem é o indivíduo no mundo, tem-se o desaparecimento da perspectiva produzida pela sensibilidade humana. A mesma sensibilidade com que se construiu a ideia universal dos direitos humanos.
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