Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  234 Segundo Boaventura Santos, só o instituto da mediação seria capaz de superar a dualidade entre o conflito real e o con- flito processado (lide), característica essa marcante do Direito Processual burguês e que é a principal responsável pela super- ficialização da conflituosidade social na sua expressão jurídica (apud PINHO, 2015, p. 224). Tal descompasso entre a realidade concreta e a existência filosófico-jurídica do indivíduo já havia sido debatida por Karl Marx (2010) em A Questão Judaica como uma contradição inerente a um sistema pautado na propriedade privada. Entretanto, se é impossível para a nossa formação social materializar a igualdade plena, pode-se, ao menos, ter a preten- são de aproximá-la do real. O exercício da autocomposição em juízo estaria, assim, li- gado a efeitos intrajudiciais e extrajudiciais . Quanto aos primeiros, referem-se ao resultado sobre o próprio Direito, a jurisprudência, a cultura institucional, ao acervo de processos e a legitimidade do Estado aos olhos do cidadão. Quanto aos segundos, fomenta- -se um trabalho educativo, uma experiência nova de ouvir e ser ouvido, e de assumir compromissos por vontade própria, reco- nhecendo a validade da posição do outro, primeiro sob a tutela do Estado, mas com a expectativa de que a prática seja um apren- dizado a ser levado para fora dos tribunais e amadurecido no bojo das próprias organizações civis. Quanto a esse potencial educacional, argumenta-se que: As práticas sociais de mediação se configuram num instru- mento ao exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados por um conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um certo sentido, é se ocupar da capa- cidade das pessoas para se autodeterminarem em relação e com os outros; autodeterminarem-se na produção da dife- rença (produção do tempo com o outro). A autonomia como forma de produzir diferenças e tomar decisões com relação a conflitividade que nos determina e configura, em termos de identidade e cidadania. (WARAT, 2004, p. 58)

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