Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  232 divíduo. Surge um novo modelo solidário, apto a sintetizar as dimensões pública e privada, superando essa dicotomia estreita. Deste modo, a teoria habermasiana nos confere uma nova noção de verdade política. Sabemos que é inevitável a unidade uniformizadora, essa falsa verdade do Estado. Mas é possível, com um toque existencialista, legitimá-la enquanto invenção co- letiva, estabelecida em uma arena horizontal de debate e influên- cia. Ainda que a lei, o ato administrativo ou a jurisdição sejam, em alguma medida, um constrangimento do ser, pois a síntese é sempre uma padronização e não satisfaz a todos, trata-se de uma verdade que reflete indiretamente os sujeitos que a instituíram. Só assim torna-se possível realizar uma ética como a kantiana, na qual se exercita a liberdade ao agir por dever. Dessa forma, é compreensível a confluência entre a teoria de Jürgen Habermas e o que se discute no presente trabalho acer- ca de um processo democrático cooperativo com foco na Justiça Conciliativa. Dependendo desse mundo da vida do dinamismo da sociedade civil, de sua capacidade de se relacionar e de se organizar para ações sociais e políticas, é imprescindível a tais práticas a maturidade de negociar seus conflitos à luz das re- gras do Direito, de preferência sem a necessidade formal de um processo, reestabelecendo e fortalecendo os vínculos de solida- riedade, que são o cimento dessa dimensão. Cada vez que uma relação social se rompe por um conflito, e as partes não se mos- tram capazes de resolvê-lo sem a imposição do Estado, tem-se um momento de anomia 12 . Expõe-se uma fragilidade do tecido social ante a incapacidade de regenerar-se, de autocompor para a preservação de suas amarras. Uma estrutura que se desagre- ga com facilidade tem menos força para resistir a pressões, para se reinventar, para inclusive ceder parcialmente ao outro, via- bilizando a existência de um projeto comum. Quantas famílias, quantas empresas, quantas relações de confiança já não foram desfeitas por conflitos internos? E o que não se poderia ter pro- duzido caso tivessem perseverado? 12 Vide nota 8.

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