Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  227 parcial e uniformizadora do Estado, capaz de unificar as leis e a administração da polícia, criando a configuração institucional adequada para o desenvolvimento do comércio em larga escala. A doutrina legalista da Revolução Francesa, embora se di- recionasse à crítica da monarquia absolutista, desempenhava tal papel ao passo que instituía um novo modelo de poder, mais adequado à classe dominante em ascensão, constituída pelos diferentes segmentos da burguesia. Desse modo, o processo servia como instrumento de manutenção do status quo da socie- dade burguesa, uma vez que a igualdade formal de um ordena- mento jurídico rígido e burocrático era cega para a diferença de poder econômico entre detentores do capital e trabalhadores. Era coerente com o Iluminismo, afinal, se a lei encarnava o mito de ser total, justa e infalível, como poderia o processo, que é seu instrumento, presumir diferente? (CHAPARRO, 2014). Tudo isso talvez não fosse uma questão se o século XX não tivesse trazido uma crise ao paradigma cientificista e civilizacio- nal. A crise de 1929, as duas guerras mundiais, o nazifascismo e a bomba nuclear foram duros golpes naqueles que ainda enxer- gavam no Estado moderno uma evolução da dialética histórica 10 . Mesmo antes, pelas mãos de Marx, Nietzsche e Freud, dentre outros, o sistema racionalista já começava a ruir. “ O processo do Estado liberal, assim como o direito positivo fundado no posi- tivismo exacerbado, fechado, inflexível, foi duramente critica- do nos últimos anos porque não espelhava e não intencionava a concretização dos valores da justiça” (CHAPARRO, 2014). “O modelo do Estado Liberal é, pois, subordinado a uma raciona- lidade instrumental, segundo a qual o próprio direito serve aos fins daquele que institui a lei” (PINHO; DURÇO, 2011, p. 26). Sendo assim, dentre as transformações históricas que viriam inspirar a insuficiência do modelo moderno, estavam os fenômenos da globalização e do multiculturalismo, vindos para nos trazer o incômodo da perspectiva do outro. O gigan- tesco avanço nas tecnologias de transporte e informação, acir- 10 Ideia presente na filosofia de Hegel.

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