Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022 226 ção do conflito. E por isso o Judiciário se reveste de solenidades. Porque a atividade monológica do juiz é como um sacerdócio – depende de certo ritualismo, de certa santidade para encantar seu público. Mas quem entende das sutilezas do ofício sabe que não há de fato magia ou ciência por detrás das decisões. A ver- dade se estabelece pelo resultado de um jogo. Um jogo de forças, de luta entre diferentes instintos para que uma versão prevaleça (FOUCAULT, 1999). Os operadores do Direito, no fundo, o sa- bem. Mesmo os juízes têm noção de que suas palavras não são a verdade real, mas tentam transparecê-la aos jurisdicionados como se a conhecessem. A busca da unidade do saber coincide em algum grau com a unificação do poder. Já estava dito em Hobbes (2003) que o Leviatã funda o direito, e a espada é a palavra final de todos os pactos. Em sentido semelhante, conceituou o sociólogo Max We- ber (2013) ser o Estado um grupo político que reivindica para si, com êxito, o monopólio legítimo do uso da força. Ambos enten- dem, cada um ao seu modo, que, por detrás do poder público, há uma vontade, política em essência, a qual se estabelece enquanto fonte oficial, tanto pela força quanto pela palavra. Para Weber (2013), a principal característica da moderni- dade era a racionalidade instrumental, nascida em certos cam- pos de aplicação, como na disciplina militar ou no ascetismo protestante, para daí contaminar a economia capitalista e toda a sociedade. Pensavam os iluministas que a razão emanciparia a humanidade ao desconstruir os mitos e tradições. O que se ob- servou, contudo, foi que ela criou seus próprios dogmas, de cará- ter técnico-científico, para fundamentar modos de ser e deveres de obediência, como em uma “gaiola de ferro”, constrangendo as subjetividades a se amoldarem a uma ética burocrática. As- sim, a dominação racional-legal substituiu os grilhões do passa- do, impostos pelas religiões, monarcas e direitos de berço, para criar outros de novos tipos, mais silenciosos e mais adequados às crenças da modernidade. Portanto, foi coincidindo com uma demanda da economia capitalista que se inventou a razão im-
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