Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  225 as prisões, o Judiciário reproduz, em larga escala, um sistema de recompensas e punições que organiza a sociedade no sentido de um determinado dever ser. Assim, o Direito exerce o papel da linguagem falada pelo Estado. E, quanto a isso, a Filosofia e a Psicanálise já nos demonstraram que a linguagem é o meio de programação da consciência. Não se trata aqui de refutar o conhecimento, mas de re- dimensioná-lo. Entende-se que o juiz inventa a decisão justa. Sabe-se que o faz com base legal, mas as balizas nunca são tão estreitas a ponto de excluírem sua criatividade. E ainda que o fossem, a aplicação burocrática da lei não é menos ideológica em si, só mais engessada – continua a fazer parte de um projeto de mundo. E todo operador do Direito sabe que um mesmo conflito jurídico pode, em tese, sustentar soluções muito dís- pares. Quando uma sentença é reformada pela ocorrência de error in judicando , tem-se a pretensão de ter havido um erro na compreensão da verdade, mas, muitas vezes, o que se tem real- mente é uma avaliação diversa por um magistrado localizado numa instância superior de poder. Assim, o processo judicial se serviu da epistemologia da ciência moderna, bebendo na fonte de uma tradição de pensa- mento que remonta a Platão e ao método socrático. Entende-se genericamente que o conhecimento nasce por uma tese , uma pre- tensão de verdade. Para que esta seja posta à prova, é confrontada com uma antítese , uma tentativa de refutação. Do choque entre as versões, é possível realizar uma síntese , que é um resultado mais próximo da verdade que a proposição original. Da mesma forma age o juiz, que, por meio da dialética pro- cessual, toma, em suas mãos, duas metades dessa realidade caó- tica e conflituosa e as torna uma versão só, por meio da palavra do Estado. Questiona-se, contudo, que o conhecimento – e a ju- risdição é também uma forma de conhecer – não seja uma purifi- cação do conflito que elimina sua violência pelo estabelecimento da razão, não seja a pacificação pela verdade. Ele é a assimilação, a dominação, a domesticação do poder. É um ato de profana-

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