Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  224 Nesse trabalho, o autor dialoga com Nietzsche para sugerir a indissociabilidade entre as relações de poder e as formas de sa- ber existentes, e discutir, em especial, o lugar do Direito dentro dessa dinâmica. Ao fazê-lo, rompe-se com uma longa tradição do pensamento ocidental. Segundo Nietzsche, Platão foi o pai de uma grande men- tira. O filósofo grego cindiu a realidade em duas dimensões: o mundo das essências, onde as coisas existem em seu estado ver- dadeiro, perfeito e imutável, e o mundo sensível, a realidade ca- ótica, concreta e sujeita a transformações. Essa teria sido a gênese de um caminho que levaria, na modernidade, ao surgimento de um procedimento investigativo em busca da verdade real. Por mais estranho que pareça, não foi sempre assim. Pro- cedimentos mágicos, provas de força ou de status social, formas absolutamente incapazes de demonstrar os fatos, eram meios empregados para declarar quem estava certo. Nesse sentido, de- monstra-se o quanto a invenção da ciência moderna não é uma obviedade, mas uma contingência histórica. Assim, Nietzsche declarou expressamente que o conheci- mento é uma invenção . Não que seja arbitrário. Mas tampouco é uma descoberta , como se a verdade já estivesse lá, esperando uma mente perspicaz para descobri-la . O saber é, antes, uma for- ma de construção de um discurso, que, em cada época, vincula- -se ao interesse das instituições do seu tempo para atender aos seus propósitos. É algo que vem do homem e é elaborado sobre o real, não desce do céu para a consciência humana. De certa forma, toda a ambição do pensamento ocidental pela obtenção da verdade é um plano de domesticar o mundo, de legitimar a autoridade e consolidar um projeto político. Seguindo esse raciocínio, Foucault (1999) afirma que o Judi- ciário é dotado de um poder epistemológico. Por meio da jurisdi- ção, o Estado reafirma a verdade cósmica da lei, concretizando-a. Este exerce o monopólio da verdade. Reestabelece-se a fé de que o mundo é governado por uma ordem e de que esta é legítima. Tal qual as pequenas instituições, como as escolas, as fábricas,

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