Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  222 implicar uma inversão da presunção probatória ou uma aplica- ção de multa. Menos razoável é pretender que o outro tenha que assumir o ônus dos seus atos. Não podemos agir como se a parte tivesse direito subjetivo a se locupletar de uma decisão favorável injusta e fosse um abuso exigir, da mesma, descer de sua posição de vantagem. A ampla defesa não deve se sentir lesada pela im- possibilidade de usar argumentos ilegítimos 9 . Assim, o dever de expor a verdade deve significar, a partir de agora, mais do que uma obrigação liberal negativa. A inter- subjetividade ousa um passo além. Não basta a abstenção, a tole- rância. É preciso o respeito positivo pelo direito do outro, o que implica, em alguma medida, curvar sua esfera de liberdade à do próximo. Não há direito a um oposicionismo deliberado, a resistir ao direito do outro porque este não lhe convém. É uma ideia basi- lar o pacta sunt servanda , segundo o qual quem se encontra obriga- do perante o outro deve cumprir a sua prestação. Assim, a boa-fé qualificada pela cooperação representa uma elevação do grau de eticidade do processo, sem implicar uma posição inquisitiva do juiz, à medida que este também admite sujeições às partes. Critica-se, ainda, a possibilidade de o juiz produzir provas de ofício ou de suprimir etapas procedimentais que, por algu- ma razão, atravanquem a decisão de mérito (DELFINO, 2016). Quanto à primeira objeção, entende-se que, em respeito ao espí- rito cooperativo e ao contraditório, não é absurda a proposta de o magistrado indicar o que entende ser necessário à formação do seu convencimento, uma vez que vigora no Brasil o sistema da livre valoração das provas e do convencimento motivado. Quanto à segunda, trata-se do princípio da instrumentalidade das formas. Ninguém pretende que o mesmo tenha o poder de sobrepujar o contraditório, mas apenas de relativizar barreiras formais para que o processo cumpra seu objetivo. O modelo adversarial, defendido por trais críticos, “reflete, em certa medida, a própria ideia liberal de Adam Smith aplicável 9 Note-se que o argumento tem por abrangência a esfera cível, composta por particulares igualmente de- tentores de direitos e com deveres recíprocos de respeito. Não se cogita que as mesmas práticas valessem em tal grau para o âmbito penal, no qual o processo é uma persecução do Estado sobre o indivíduo.

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