Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022 220 nâmico, resultado de “um processo coletivo, ininterrupto e mul- tidirecional de circulação do logos jurídico” (OST, 2007, p. 115, tradução nossa). Assim, não se deve confundi-lo com Júpiter. Embora, por razões distintas do Estado Liberal, o Estado Social acabe sendo igualmente incompatível com um método dialógico de compreensão e cooperação entre os sujeitos (PINHO, 2011). Por tal motivo, rejeita-se a crítica de que uma democracia pro- cessual seria uma forma velada de impor autocraticamente a su- pressão do interesse particular em prol de uma moral coletiva. É evidente que o motor da ação é o autointeresse das partes. Não se pretende que o sujeito processual seja o “bom litigante”, em ironia ao indivíduo rousseaniano, capaz de colo- car o bem comum antes do seu próprio. Contudo, a cooperação não implica necessariamente renúncia aos seus direitos. O que se busca é uma solução autoconstruída que possa representar benefícios recíprocos. Sem dúvida o contexto histórico-político brasileiro encon- tra-se distante o suficiente do destino soviético para não nos sen- tirmos ameaçados pelo fantasma do comunismo. A cooperação em um país marcado por uma sociedade civil ativa e organizada guarda potencial mais favorável a uma democracia como a ob- servada por Tocqueville na América do Norte do que aos regi- mes totalitários. O historiador francês observou que, tanto nos Estados despóticos quanto nas democracias, parecia haver uma disposição para uma maior arbitrariedade dos magistrados, mas, nestas, talvez ainda mais do que naqueles, justamente porque, em regimes democráticos, o povo tem menos a temer. O maior temor do povo é justamente que os magistrados sejam postos na dependência absoluta do príncipe, servindo para oprimir sua liberdade (TOCQUEVILLE, 2005). Afinal, foi a opção do próprio constituinte comprometer-se com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CRFB). Em consonância, a Sociologia, de um modo ge- ral 7 , vem apontando que a vida comum não pode ser compreen- 7 Notavelmente, toda a vertente sociológica tributária do pensamento organicista de Émile Durkheim e Marcel Mauss.
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