Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 206-244, Set.-Dez. 2022  217 seu objeto de conhecimento, recaindo em um solipsismo filosó- fico que confunde a verdade com a própria concepção subjetiva do julgador. Como o juízo das finalidades constitucionais não tem como ser feito de forma rasa, sem a opinião política de quem aprecia, a razão da autoridade judiciária torna-se protagonista frente à lei (STRECK, 2014). Em outras palavras, questiona-se a hipertrofia do magistrado, que não é eleito democraticamente, para submeter a lei ao seu próprio senso de justiça, ainda que orientado pela Constituição. Nesse mote, há quem teça, por extensão, duras críticas ao princípio cooperativo. Defensores de um posicionamento mais liberal e, portanto, do modelo dispositivo-adversarial já comen- tado consideram uma inconstitucionalidade a pretensão do art. 6º do CPC, segundo o qual é dever das partes cooperar pela jus- tiça. Argumenta-se que o dever de cooperação seria uma forma abusiva de violar o direito de defesa, obrigando as partes a co- laborarem com seus antagonistas, em detrimento de seus pró- prios interesses processuais. O dispositivo estaria propondo um sistema no qual juízes interferem no contraditório, formulan- do suas decisões como bem entendem e colorindo-as com suas ideologias ou moralismos, sem se despir de seus preconceitos e crenças. O magistrado caminharia no fio da navalha, aventu- rando-se no terreno dos enviesamentos. Assim, ironicamente, o paradigma da colaboração democrática é chamado de “autori- tário” (DELFINO, 2016). Delfino (2016) ainda condena a pretensão do processo de- mocrático comparando-o ao projeto político de Jean-Jacques Rousseau 5 . A referência é pertinente. Paradoxalmente, enquanto, para uns, o filósofo é autor de uma proposta de democracia ra- dical, para outros, é o pai do totalitarismo moderno, vez que sua filosofia romântica influenciou os regimes comunistas. Não por 5 O filósofo francês, um dos pais do contrato social, está entre os teóricos iluministas que mais influencia- ram o princípio republicano. Seu pensamento propôs a formação de um corpo político constituído pela totalidade de seus cidadãos, por meio de participação direta. Seu ideal de democracia correspondia ao au- togoverno da comunidade, sem instâncias de representação, mediante um forte vínculo de virtude cívica. Não haveria sequer motivos para haver direitos oponíveis frente ao Estado, pois este seria ummero reflexo da sociedade. Assim, seu pensamento pode ser considerado antiliberal.

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