Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022

173  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 168-195, Set.-Dez. 2022  Porém, ela não possuía caráter vinculante ou coercitivo e apenas elencava princípios de proteção e de assistência. Em 1959, surge a Declaração Universal dos Direitos da Criança, já no âmbito da ONU. Essa declaração, contudo, tam- bém apresentava somente princípios e diretrizes sem força vin- culativa, que, apesar disso, avançavam sobre as proteções reco- nhecidas na carta anterior 2 e enunciava já o “interesse superior da criança” 3 . Em 1978, o governo da Polônia propõe então a elaboração de uma nova carta que tenha efeito vinculante e cujo texto deve- ria estar pronto em 1979 para a celebração do Ano Internacional da Criança, conforme estabelecido pela ONU. Todavia, em face do contexto e das repercussões ideológicas da Guerra Fria, as discussões se estenderam por dez anos, culminando, em 1989, no principal instrumento jurídico internacional de proteção à infân- cia e à adolescência: a Convenção sobre os Direitos da Criança. Por meio dela, reconhece-se a criança em sua individualidade, como sujeito de direitos, dentro de sua singularidade, e nela se expressa a doutrina da proteção integral, sobrepujando o caráter assistencialista do período anterior em prol de um movimento emancipatório, assecuratório e garantidor de direitos da criança e do adolescente 4 . No Brasil, ainda dentro da conjuntura da ditadura militar, no mesmo período em que se iniciam as discussões sobre a Con- venção, entra em vigor a Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, cognominada “Código de Menores”, que adotava a doutrina da situação irregular 5 , embora a Declaração Universal dos Direitos 2 Ibid. p. 16-17. As autoras apontam esse avanço no direito à proteção desde o nascimento, no direito ao nome e à nacionalidade, na proteção social e vivência em ambiente de afeto, tolerância e amizade e exten- são aos familiares, repercutindo as críticas à declaração anterior. 3 Ibid. p. 17. O interesse superior da criança ou melhor interesse da criança está contido no 2º princípio. 4 Ibid . p. 18-21. 5 A doutrina da situação irregular era direcionada aos infantes que se encontravam em situação precária ou de abandono, ou aos infratores com cunho assistencialista e disciplinador. Ela tem sua raiz no Brasil no Código de Menores de 1927 e foi reeditada com influência da doutrina de segurança nacional em decorrên- cia da ditadura militar. Porém se mostrava deficiente e ineficaz na solução do problema do abandono e do desvio social que pretendia abarcar. Para aprofundamento, ver FREITAS, Ramiro Ferreira de; SILVA, Jardel Pereira da; GAMA, Aymé Holanda. Os direitos da criança e do adolescente: aporte histórico e evolução jurídica à luz da proteção humana. In Revista Aporia Jurídica (on-line). Revista Jurídica do Curso de Direito da

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