Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 119-151, Set.-Dez. 2022 137 Na década de 1980, esse Tribunal verificou que o contato do magistrado comomaterial produzido na investigação poderia ge- rar um risco concreto de quebra da imparcialidade (MAYA, 2020, p. 24). Esse questionamento surgiu após se perceber que atuação excessiva do juiz, tanto na fase investigativa quanto na fase pro- cessual, conduziria à formação de um juízo de culpabilidade que justificaria a dúvida quanto à perda da sua imparcialidade. Ao formar sua orientação jurisdicional, o TEDH teve como preocupação não apenas garantir a imparcialidade do juiz no seu foro íntimo, mas também preservar a confiança da sociedade nas decisões jurisdicionais. Isso porque não basta que o juiz seja im- parcial, é necessário que essa imparcialidade seja exteriorizada através de suas condutas. No caso emblemático de Piersack vs. Bélgica (TEDH, 1982), o Tribunal Europeu considerou a imparcialidade sob dois diferen- tes aspectos: o subjetivo, que estaria relacionado com a convicção pessoal do juiz no caso concreto; e o objetivo, que, por sua vez, estaria associado com as garantias oferecidas pelo juiz, que deve- riam ser suficientes para excluir qualquer dúvida legítima sobre a imparcialidade de seu desempenho. Sobre a matéria, Aury Lopes Jr. (2019a, p. 73) destaca que a imparcialidade subjetiva diz respeito à “[...] convicção pessoal do juiz concreto, que conhece de um determinado assunto e, des- se modo, a sua falta de pré-juízos”; enquanto a imparcialidade objetiva considera “[...] se tal juiz encontra-se em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida ra- zoável acerca da sua imparcialidade.” Quanto ao caso em apreço, verifica-se que o juiz, antes de se tornar julgador do processo, havia atuado como órgão do Mi- nistério Público, ocasião em que participou da investigação do caso. Ora, não se pode ter um julgador que atue simultaneamen- te como órgão de acusação e como juiz, haja vista que isso vio- laria os preceitos do modelo acusatório, bem como interferiria diretamente na credibilidade da prestação jurisdicional.
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