Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 119-151, Set.-Dez. 2022 126 possibilidade de o juiz requerer, de ofício, a produção de provas mesmo antes de iniciada a ação penal. Ocorre que a busca pela verdade substancial do fato, sem qualquer requerimento das partes, permite que o magistrado profira decisões extremamente eivadas pelo seu prévio conheci- mento sobre o fato. Sobre a matéria, Luigi Ferrajoli sustenta que: É evidente que esta pretendida “verdade substancial”, ao ser perseguida fora regras e controles e, sobretudo, de uma exata predeterminação empírica das hipóteses de indagação, degenera em juízo de valor, amplamente arbitrário de fato, assim como o cognitivismo ético sobre o qual se baseia o substancialismo penal resulta inevitavelmente solidário com uma concepção autoritária e irracionalista do processo penal (FERRAJOLI, 2002, p. 38). O juiz, ao receber a denúncia e os autos do inquérito, cons- trói, inevitavelmente, uma imagem mental dos fatos. Segundo a teoria da dissonância cognitiva, explicada por Schünemann , a tese apresentada pela defesa gera uma relação contraditória, diante da qual o magistrado poderá adotar duas posturas dis- tintas: de um lado, poderá evitar determinadas informações que acentuem tal incoerência; mas por outro lado, o juiz tam- bém poderá buscar elementos capazes de reduzir tal “dissonân- cia” (LOPES JR., 2019a, p. 101). A possibilidade de o juiz requerer provas de ofício reflete exatamente um dos cenários acima. Isso porque essa atuação do magistrado representa, na verdade, seu desejo em encontrar a confirmação do que lhe foi apresentado primeiramente pela acusação, de modo que a sua imparcialidade se torna extrema- mente comprometida. Quando há o rompimento do equilíbrio psíquico, o magistra- do responde a isso através de processos cognitivos comportamen- tais involuntários. É justamente por isso que o efeito da perseveran- ça ou, até mesmo, da busca seletiva de informações apenas reflete a necessidade do julgador em encontrar seu equilíbrio cognitivo (SCHÜNEMANN, 2012 apud PODCAST IMPROVÁVEL, 2020).
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