Revista da EMERJ - V. 24 - n.3 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 101-118, Set.-Dez. 2022 109 Como visto, o amicus curiae é um colaborador da jurisdição, um amigo da corte, que ingressa no processo para pluralizar o debate e fornecer subsídios úteis para a solução da controvérsia, sejam de ordem fática ou jurídica, e obviamente, agregar valor às manifestações das partes. A reflexão proposta parte da premissa de que a qualidade da decisão está intimamente associada à amplitude do debate jurídico, da efetiva participação de quem pode agregar valor à solução final. E, nesse contexto, está o amicus curiae , que, inclu- sive, pode ser uma pessoa da área do direito com notório saber, idoneidade moral e credibilidade, sem interesse pessoal no resul- tado da demanda, que fornecerá ao julgador uma opinião jurídi- ca sobre a questão de alta relevância, especificidade ou de forte repercussão social. Primeiramente, não há vedação legal que impeça o julgador de solicitar ou admitir o ingresso de um especialista da área jurí- dica para colaborar com a jurisdição quando estiverem presentes os requisitos indicados no caput do art. 138 do CPC, a saber: rele- vância da matéria, especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia. Ademais, na linha de entendimento dos tribunais superio- res, a admissão do amicus curiae insere-se no poder discricionário do juiz, sendo irrecorrível a decisão que admite ou rejeita sua intervenção. Essa faculdade de contar com um colaborador da jurisdição para ampliar e qualificar o debate processual não im- pede a intervenção de um amicus curiae jurídico , sempre observa- dos os requisitos legais dessa intervenção. 20 20 Luiz Guilherme Marinoni, advertindo que o amicus curiae não se presta apenas a esclarecer fatos, admite uma participação estritamente jurídica desse terceiro: “Se o fundamento da participação do amicus é, antes de tudo, colocar às claras e defender posição de determinado grupo social, solicitando uma determinada interpretação da Constituição, é obviamente equivocado limitar a sua atuação à discussão dos fatos. O amicus pode realizar qualquer argumentação que possa favorecer o atingimento da interpretação que interessa ao grupo que representa, inclusive estritamente jurídica. É certo que em alguns países, como na França, costuma-se adotar regras que se destinam à investigação técnica dos fatos para reger a atividade do amicus . Na França, o instituto do amicus é regulado a partir das regras relativas às vérifications personnelles do juiz, equiparando-se, em princípio, o amicus a um perito ou técnico. Contudo, mesmo na França, e sem qualquer resistência no common law , admite-se que o juiz possa consultar terceiros acerca de questões jurídicas. Diante dessas questões, aliás, não é raro solicitar, nas Cortes estadu- nidenses, a manifestação de entidades semelhantes à OAB e ao Instituto dos Advogados. Na verdade, a dificuldade em compreender a possibilidade de o amicus falar sobre questões jurídicas decorre da dificuldade em aceitar que a inter- venção possa se dar para suprir a deficiência de argumentação da parte, ainda que em favor de terceiros. Nos Estados
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