Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 69-86, Mai.-Ago. 2022 73 gem corrente, são as duas faces de Jano: uma das faces, voltada à Filosofia, expressa os valores morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual respeito e consi- deração; outra face, voltada para o Direito regrado, traduz as posições jurídicas titularizadas pelos indivíduos, objeto de nor- mas coercitivas. 6 No plano estritamente jurídico, o valor intrínseco da pes- soa humana impõe a preservação de sua dignidade, recebendo cobertura dos direitos fundamentais, como o direito à vida , em torno do qual se discute pena de morte, aborto e morte assistida, e o direito à igualdade na lei, independente de raça, cor, sexo, reli- gião, origem nacional ou social. A lista é enorme, abrangendo integridade psicofísica, auto- nomia privada, valores comunitários e até um mínimo existencial , 7 que não consta expresso em textos constitucionais e internacio- nais. No entanto, tem sido reconhecido que toda pessoa, para exercer sua cidadania, precisa do atendimento de necessidades vitais, sob pena de perecer. 8 Nessa linha, anota o ministro Celso de Mello, do STF, na ADPF 45/DF, em decisão monocrática, que é devido assegurar-se aos indivíduos a integridade de um míni- mo existencial , afastado o “arbítrio estatal”. 9 Na Constituição Brasileira, o mínimo existencial insere-se no direito à educação básica, à saúde essencial, à assistência 6 Cf. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo , in Direito Civil Constitucional e outros estudos em homenagem ao professor Zeno Veloso. Coordenação: Pastora do Socorro Santos Leal. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2014, p. 972. 7 A ideia do mínimo existencial foi cunhada na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, em várias decisões, conforme reporta Luís Roberto Barroso, ob. e loc. cits. , p. 976, n. 116, explicitando o desenvolvi- mento do tema no Brasil, como os escritos de Ricardo Lobo Torres em O direito ao mínimo existencial , de 2009. Em meio a outros, também sobressai abordagem de Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana , p. 223 e s.; e Eurico Bitencourt Neto, O di- reito ao mínimo para uma existência digna , de 2010. Na doutrina estrangeira, o conceito é empregado por John Rawls, Political liberalism , 2005, p. 228-9, aí referindo ao mínimo social ( social minimum ); e Jürgen Habermas, Direito e democracia: entre laicidade e validade , 1997, v. 1, p. 160, que usa a expressão “direitos fundamentais e condições de vida” para significar o desfrute de todos os direitos fundamentais. 8 Ressalte-se, contudo, que a Constituição do Canadá, por exemplo, alude à “promoção de igualdade de oportunidades para o bem-estar dos canadenses” (art. 36). Já a Declaração Universal dos Direitos Huma- nos, de 1948, prevê, em seu art. XXV, 1: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle”. 9 Cf. RTJ 200/191.
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