Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 41-68, Mai.-Ago. 2022 47 violência da esfera privada a que era relegada para entrar defini- tivamente na agenda pública e governamental. Referindo-se à trajetória de fatos que culminou na promul- gação da lei, a mencionada autora indica que teria sido “fruto de uma bem sucedida ação de advocacy feminista voltada para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mu- lheres, e tributária da Convenção de Belém do Pará” 9 . Portanto, a promulgação da Lei Maria da Penha pode ser considerada fruto de um somatório de fatores 10 , que inova não somente a legisla- ção brasileira, mas também a representação social de violência e subjugação da mulher. Assim, pode-se dizer que a representação de uma experi- ência de agressão vivenciada por uma mulher em seu círculo fa- miliar modificou-se completamente com o advento da Lei Maria da Penha. Um dos efeitos proporcionados pela referida lei foi a inserção de robustos significados à categoria “violência domésti- ca”, que passou a simbolizar um ato automática e irrestritamente reprovado, associando-o a um problema de ordem social, e não mais particular. O enunciado que antes somente conseguia ser expresso juridicamente como uma lesão corporal de natureza leve, sem maiores consequências do que o pagamento de cestas básicas, modifica-se por completo com o aparecimento da cate- goria “violência doméstica” e suas potentes pré-compreensões. Como todo paradigma que rompe com uma ordem social pré-estabelecida, a Lei Maria da Penha passou por alguns ques- tionamentos dentro da ordem jurídica até então vigente, ainda 9 REBELLO, Arlanza M. R. Para Mudar o Rumo da Prosa: UmNovo Olhar Sobre a Lei 11.340/2006 Lei Ma- ria da Penha. In : Gênero, sociedade e defesa de direitos : a Defensoria Pública e a atuação na defesa da mulher. Rio de Janeiro: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 48. 10 Quanto aos processos que culminaram na promulgação da Lei Maria da Penha, importa registrar que tanto a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (mais conhecida como Convenção de Belém do Pará), ratificada pelo Brasil em 1995, quanto a Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (a Convenção CEDAW, da ONU), ratificada pelo Brasil em 1984, e sua Recomendação Geral 19, de 1992, determinam a incorporação na legislação interna de normas que lidem de forma específica com a violência contra a mulher, como explica Valéria Pandjiar- jian (2006). Com efeito, aponta Wânia Pasinato (2015), a criação da Lei Maria da Penha foi fruto de forte mobilização de feministas, que continuamente buscaram que as demandas das mulheres fossem ouvidas pelo Poder Público e seus direitos fossem reconhecidos. Uma aplicação integral da referida lei, ressalta a autora, demanda uma atuação conjunta dos três poderes da República, o que denota tanto a complexidade do problema da violência contra a mulher, quanto a sofisticação da referida lei.
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