Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 41-68, Mai.-Ago. 2022 46 -política das mulheres brasileiras. Sua criação e o texto que a constitui contribuíram para o entendimento de que uma mulher é agredida por ser mulher – isto é, como consequência da forma como as relações sociais patriarcais permitem que ela seja tratada – e de que a violência contra a mulher deve sair do obscurantis- mo do ambiente privado para ser julgada na esfera pública, em vez de se manter assunto (não) discutido na seara doméstica 7 . A vítima de uma agressão passou, assim, a ser uma cate- goria coletiva, representando todas as mulheres da sociedade e trazendo a necessidade de consideração de sua perspectiva para o sistema de justiça. Passou a ser fundamental que magistrados e magistradas a considerassem em seus julgamentos, ao menos naqueles que dizem respeito à aplicação da referida lei. Nessa linha de pensamento, pode-se dizer que a Lei Maria da Penha representou um novo paradigma hermenêutico sobre relações de gênero, sendo que a própria palavra “gênero”, in- clusive, passa a ser empregada pela primeira vez por uma lei no ordenamento jurídico brasileiro. Utilizando já em seu primeiro artigo o termo “violência doméstica”, a Lei Maria da Penha con- tribui para a ampla disseminação dessa categoria, permitindo a sua inserção em amplos setores da sociedade, ultrapassando as relações jurídicas. Rompeu, dessa forma, com um histórico per- verso de marginalização hermenêutica que prejudicava as mu- lheres nas representações de suas experiências. De acordo com Arlanza Maria Rodrigues Rebello, essa lei representaria um dos maiores “avanços legislativos, desde a promulgação da Constituição de 1988, pois significa o reconhe- cimento da violência contra a mulher como violação de direitos humanos” 8 , e mais do que isso, permite a retirada desse tipo de 7 Como declara Adriana Mello, “[o] debate estimulado pela Lei Maria da Penha permitiu a emergência de um tema pouco tratado pelo Poder Judiciário, e abriu possibilidade para que a sociedade brasileira, juntamente com o Poder Público, discutisse os mecanismos mais eficazes de combater a ‘violência contra a mulher’, e encontrassem na expressão violência doméstica e familiar contra a mulher uma forma de demarcar o espaço onde ocorre a dinâmica da violência, explicitando, assim, o ‘sujeito ativo’ e o ‘sujeito passivo’ da relação violenta”. MELLO, Adriana Ramos de. Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. Rio de Janeiro: LMJ Mundo jurídico, 2017. 8 REBELLO, Arlanza M. R. Para Mudar o Rumo da Prosa: UmNovo Olhar Sobre a Lei 11.340/2006 Lei Ma- ria da Penha. In : Gênero, sociedade e defesa de direitos : a Defensoria Pública e a atuação na defesa da mulher. Rio de Janeiro: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, 2017, p. 48.
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