Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 41-68, Mai.-Ago. 2022 45 uma importante categoria de leitura da história e da forma como se construíram as relações sociais, na medida em que esse con- ceito supõe que a condição a que as mulheres são histórica e sis- tematicamente submetidas se estabeleceu em virtude de uma es- trutura social composta não apenas por mulheres, mas também pelos homens. O conceito de gênero traz à discussão o fato de que o ser mulher não se define apenas pelo sexo biológico, mas que a condição de mulher também se define de maneira relacio- nal, isto é, a partir da identificação de que a mulher não existe no mundo como um ser isolado, e sua história, consequentemente, tampouco se desenvolveu isoladamente. Dessa maneira, a mobilização da categoria gênero para a análise de uma conduta serve à identificação de que ela não é particular de um indivíduo, mas tem como fundamento a forma como se desenvolveu a relação entre os sexos em uma socieda- de. O que se quer dizer é que a definição do crime de violência doméstica como crime de gênero significa que ele é resultado da “relação entre a experiência masculina e a experiência feminina” 5 de mundo, da forma como as mulheres foram tratadas e defini- das em uma sociedade patriarcal. Como destaca Francis Olsen, o Direito, criado pelos ho- mens para o resguardo de seus desígnios, tutela os interesses daqueles que historicamente dominam a esfera pública, espe- lhando e legitimando sua condição social. Consequentemente, ele marginaliza o interesse daquelas que, historicamente, são restringidas à subalternidade da esfera privada. Essa função, afirma a autora, o Direito cumpre há séculos, através da regu- lação, direta e indireta, da vida familiar, com normas que refor- çam a dicotomia entre público e privado de maneira “particular- mente destrutiva para as mulheres” 6 . Com a positivação da Lei Maria da Penha, porém, no que diz respeito ao Brasil, concretizou-se uma mudança crucial nessa tendência, uma simbólica virada de chave na situação jurídico- 5 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Realidade , v. 20, n. 2, pp. 71-99, 1995, p. 74. 6 OLSEN, Francis. El sexo del derecho. In : David Kairys (Ed.). The Politics of Law. Nova Iorque, Pantheon, 1990, p. 12.
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