Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 41-68, Mai.-Ago. 2022  44 deração de uma chave analítica enfrentada de maneira acessória nas discussões jurídicas. A pesquisa apresentada se concentra no período de onze anos, os primeiros entre os anos de 2008 e 2018. Aescolha de 2008 como ano de início dessa contagem se deu considerando que, entre o advento da lei, em 2006, e os primeiros casos a de fato alçarem o STJ, passaram-se cerca de dois anos, não havendo vo- lumes de julgamentos sobre a Lei Maria da Penha aptos a serem analisados antes de 2008. Na análise empreendida, é possível verificar certo amadu- recimento do STJ não apenas na abordagem de assuntos eminen- temente jurídicos, como também daqueles de cunho processual e de questões atinentes às interações sociais dinâmicas. Aqui, faz- se referência aos debates acerca do campo de aplicabilidade da lei – isto é, se abrange relações homoafetivas, por exemplo – e às discussões acerca do próprio conceito de relação doméstica e fa- miliar, que sofreu alterações substanciais na Corte e na sociedade ao longo das últimas décadas. Quando uma nova lei surge no ordenamento jurídico, mas deixa de ser observada e aplicada, a população, entende-se aqui, geralmente traduz esse fenômeno afirmando que “a lei não pe- gou”. Pode-se dizer que a Lei Maria da Penha vive essa situa- ção através de um paradoxo: seus objetivos não surtiram amplo efeito até hoje na sociedade brasileira 3 . No entanto, ao mesmo tempo, ela teve importante êxito em trazer para a discussão ju- risdicional a categoria analítica do gênero, permitindo que a vio- lência doméstica passasse a ser vista como um tipo específico de violência que se estrutura em uma relação de gênero que benefi- cia os homens em detrimento das mulheres. Conforme sugerido por Joan Scott 4 , que pensava outras formas de reconstituir a história, o gênero foi reconhecido como 3 Vide os números alarmantes e preocupantes de agressões às mulheres. Sobretudo no âmbito da quarente- na recomendada à população mundial no ano de 2020, esses números cresceram consideravelmente. Vide: AGENCE FRANCE-PRESSE. Pandemia de Covid-19 fez violência contra a mulher disparar em todo o mundo. O globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/celina/pandemia-de-covid-19-fez-violencia- contra-mulher-disparar-em-todo-mundo-24761185>. Acesso em: 30 nov. 2020. 4 SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação e Realidade , v. 20, n. 2, pp. 71-99, 1995.

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