Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 9-25, Mai.-Ago. 2022  22 aflorar a raiz da normose que já se descortinou e que já dá sinais da sua própria morte, enquanto parasita, e da morte do corpo so- cial que a alimenta, que muito tenazmente renasce do aprendiza- do do reconhecimento dessas antigas normalidades desgastadas. Costumamos dizer que a vida, segundo a Antropologia, é comparável ao “Bolero” de Ravel: uma melodia simples e linear, com um toque de tambor (mais especificamente a caixa clara) em ritmo marcial impassível, que aparentemente dá voltas sem sair do lugar; mas, sem que se perceba muito claramente, o que acontece é uma evolução sistemática que eleva a linha melódica, somando- se-lhe outras vozes que dão timbres e cores novas àquela primeira melodia. E essa melodia, que parece estática e imutável, nos con- duz a um caleidoscópio de prismas, numa pletora de cores que cria uma paleta de tons e semitons que, no fim, envolvem tudo e todos, sem deixar ninguém injustamente no gueto, incluindo-os na gran- de melodia humana. Assim é o compasso da harmonia da Justiça. Então, quando a tradição cultural se torna normose, esse parasita mata de inanição o organismo social que a nutria. O Direito precisa estar atento a isso na medida em que é voca- cionado à inclusão cada vez mais ampla de pessoas às suas ferramentas de Justiça. E, queiramos ou não, um novo corpo societário civilizató- rio surge e necessita da cultura em sua base para ter coesão, a qual se transformará em tradição cultural, que tende a se trans- formar em normose e, no fim da linha, em parasita. O Direito está sempre muito ativo nessa mudança inconteste. Mesmo que isso aconteça no passar das gerações humanas, pois às vezes uma única geração não estará pronta para enfrentar e derrubar esses paradigmas, por mais insustentáveis que eles sejam. Não é sem beleza poética que nós, os epistemólogos, soe- mos dizer que, de berço em berço e de túmulo em túmulo, as sociedades, tal qual os idiomas e o Direito com seu ordenamento jurídico que as sustentam, vão se transformando para adequa- rem-se à realidade, não à abstração da obsoleta “letra morta”, ineficaz e ineficiente.

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