Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 9-25, Mai.-Ago. 2022  20 centrípeta (conservação) e força centrífuga (inovação). É uma mecânica social infraqueável. O berço de uma civilização se dá com a coerência ética e estética que a cultura propicia. E essa cultura (ou parte dela) ten- de a se enregelar e transformar-se em tradição cultural. E, quan- do essa tradição cultural se calcifica, torna-se uma normose, que aponta a tumba da mesma sociedade que nasceu daquela ética e estética. A partir daí, é questão de cronometrar o seu declínio. O Direito entra nessa equação. A frase do jurista uruguaio EduardoCouture é francamente lembrada: “Teudever é lutar pelo Direito, mas, no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, lutapela justiça”. Issoporque a “normalidade”desgastada que é intrínseca à normose não pode mais ser normatizada a partir do momento em que se constata a obsolescência de antigos “normais” (COUTURE, 1979, p. 11). O Direito, assim, é dinâmico pelo fato de que persegue a Justiça. Como um nauta que navega guiado pelas constelações, que permitiria que se repetisse a frase de Leonardo da Vinci: “Não há como voltar atrás quando a meta são as estrelas”. A clássica obra Declínio e Queda do Império Romano (GI- BBON, 1989) tornou-se tão icônica justamente por ter sido pro- vavelmente a primeira que, com outras palavras, apontou que o Império Romano se esfacelou por causa da sua então normo- se guerreira, beligerante, expansionista. E, prefaciando páginas de horror da nossa história recente, o autor aponta a existência de antissemitismo dentro da sociedade romana clássica, o que se figurou terrivelmente ainda no trágico episódio de shoah do holocausto judaico, em pleno século XX. Tudo isso já se torna- ra, à época do Senado de Roma, um erro ético e estético, típico das normoses. O declínio foi apenas questão de tempo. Um poderoso império de mais de mil anos se desmantelou como uma torre de areia. Em grande parte do mundo de hoje, sobretudo na camada ocidental, ou seja, a porção da civilização humana moderna que vive sob o zênite do Direito, vemos que mesmo os temas hu-

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