Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 164-186, Mai.-Ago. 2022  173 colocar-se o interesse público acima de todo e qualquer interesse privado, o que se chocaria com a proteção aos direitos fundamen- tais e, notadamente, com o dever de proporcionalidade enquanto mecanismo de análise das restrições impostas a tais direitos 14 . Todo este caldo teórico trouxe novos influxos ao Direito Ad- ministrativo como um todo, espraiando-se por toda a disciplina. Com isso, a possibilidade de submissão da administração pública a mecanismos outros de solução de controvérsias que não apenas aquela outorgada pelo Poder Judiciário encontrou reconhecimen- to como compatível não apenas com a juridicidade administrati- resse Público sobre o Particular”. In : SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses Priva- dos : desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 213-214). Remete-se o leitor à crítica de Fábio Medina Osório ao texto de Humberto Ávila (OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no Direito Administrativo brasileiro? In : Revista dos Tribunais , vol. 770, p. 53-92, dez./1999). 14 Na lição de Gustavo Binenbojm: “[e]mbora decantado pela literatura brasileira como fundamento e princípio normativo do direito administrativo, sua inconsistência teórica e sua incompatibilidade visce- ral com a sistemática constitucional dos direitos fundamentais são patentes. Com efeito, uma norma que preconiza a supremacia a priori de um valor, princípio ou direito sobre outros não pode ser qualificado como princípio. Ao contrário, um princípio, por definição, é norma de textura aberta, cujo fim ou esta- do de coisas para o qual aponta deve sempre ser contextualizado e ponderado com outros princípios igualmente previstos no ordenamento jurídico. A prevalência apriorísitica e descontextualizada de um princípio constitui uma contradição em termos. Por outra via, a norma de supremacia pressupõe uma necessária dissociação entre o interesse público e os interesses privados. Ocorre que, muitas vezes, a pro- moção do interesse público – entendido como conjunto de metas gerais da coletividade juridicamente consagradas – consiste, justamente, na preservação de um direito individual, na maior medida possível. A imbricação conceitual entre interesse público, interesses coletivos e interesses individuais não permite falar em uma regra de prevalência absoluta do público sobre o privado ou do coletivo sobre o indivi- dual. Na verdade, o conceito de interesse público é daqueles ditos juridicamente indeterminados, que só ganham maior concretude a partir da disposição constitucional dos direitos fundamentais em um sistema que contempla e pressupõe restrições ao seu exercício em prol de outros direitos, bem como de metas e aspirações da coletividade de caráter metaindividual, igualmente estampadas na Constituição. Ao Estado Legislador e ao Estado Administrador incumbe atuar como intérpretes e concretizadores de tal sistema, realizando as ponderações entre interesses conflitantes, guiados pelo postulado da propor- cionalidade. Assim, o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. O instrumento deste raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade. Veja-se que não se nega, de forma alguma, o conceito de interesse público, mas tão-somente a existência de um princípio da supremacia do interesse público. Explica-se: se o interesse público, por ser um conceito jurídico determinado, só é aferível após juízos de ponderação entre direitos individuais e metas ou interesses coletivos, feitos à luz de circunstâncias concretas, qual o sentido em falar-se num princípio jurídico que apenas afirme que, no final, ao cabo do processo ponderativo, se chegará a uma solução (isto é, ao interesse público concreto) que sempre prevalecerá? Em outras palavras: qualquer que seja o conteúdo deste “interesse público” obtido em concreto, ele sempre prevalecerá. Ora, isso não é um princípio jurídico. Um princípio que se presta a afirmar que o que há de prevalecer sempre prevalecerá não é um princípio, mas uma tautologia. Daí se propor que é o postulado da proporcionalidade que, na verdade, explica como se define o que é o interesse público, em cada caso. O problema teórico verdadeiro não é a prevalência, mas o conteúdo do que deve prevalecer.” (BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de pro- porcionalidade: um novo paradigma para o Direito Administrativo. In : Revista de Direito Administrativo, vol. 239, p. 29-30, jan./mar. 2005).

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